Serviço de Medicina 2.3, Hospital de Santo António dos Capuchos, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central
António Epifânio Mesquita, Francisca Martins, Mariana Fernandes, Miguel Nunes, Rui Malheiro, Catarina Patrício, João Roxo, Vítor Brotas
Introdução: A associação entre a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH), tuberculose e dacrioadenite está muito pouco documentada na literatura. Com o recente aumento de primo-infeção pelo VIH devemos lembrar a possibilidade de apresentações pouco comuns, da presença de várias patologias em simultâneo, e a importância de manter um elevado índice de suspeição e baixo limiar para iniciar o tratamento empírico de infecções oportunistas ou decorrentes da reconstituição imune.
Caso Clínico: Homem de 28 anos recorreu a centro de comunitário de apoio a homens que têm sexo com homens (HSH) por aparecimento de nódulos supra-ciliares simétricos com crescimento progressivo em 2 semanas. Negava dor, febre ou xeroftalmia. O estudo complementar revelou infecção pelo VIH tendo sido encaminhado para consulta de Medicina Interna. O estadiamento imunológico e virulógico foi compatível com imunossupressão grave: 34 linfócitos T CD4+/mm3 e carga viral 1.380.000 cópias/uL. Iniciou terapia anti-retroviral (TARV) com tenofovir/emtricitabina+dolutegravir e trimetropim/sulfametoxazol em dose profilática. Foi observado pela Oftalmologia que assumiu dacrioadenite bilateral no contexto de provável hiperreactividade inflamatória. Cerca de 1 mês depois desenvolve quadro de febre com temperaturas 38-40ºC, cefaleias holocranianas e vómitos ocasionais. Negava sudorese nocturna, perda de peso, alterações visuais, movimentos estereotipados, focalidade neurológica, ou exantema. À observação mantinha edema das glândulas lacrimais e apresentava febre e rigidez da nuca. Realizou TC-CE que revelou alterações sugestivas de otite média crónica agudizada. A punção lombar revelou pleocitose com predomínio de células mononucleares, hipoglicorráquia e hiperproteinorráquia. Iniciou terapêutica antibacilar empírica associada a dexametasona e ainda Amoxicilina/Ácido Clavulânico para otite média. Os estudos cultural, serológico, antigénico e de biologia molecular do líquor foram negativos nomeadamente para Sífilis, Toxoplasma, Citomegalovírus, Epstein-Bar, Herpes, e Cryptococcus. Teste de amplificação para ácidos nucleicos do complexo Mycobacterium tuberculosis foi positivo, confirmando diagnóstico de meningite tuberculosa no contexto de provável síndrome de reconstituição imune. Manteve terapêutica antibacilar quádrupla e dexametasona numa dose 0.4mg/kg/dia durante duas semanas seguida de desmame progressivo. Dois meses após o diagnóstico mantém terapêutica tuberculostática, tendo terminado o esquema de corticoterapia. Apresenta ligeira melhoria da dacrioadenite, sem outras queixas.
Discussão: No caso descrito pelos autores não é claro se a dacrioadenite representa uma reacção de hipersensibilidade no contexto da infecção pelo VIH, um fenómeno tuberculide-like associado à tuberculose, ou outro. A presença destas patologias em simultâneo demonstra que casos como este não são, como muitos poderão julgar, uma realidade antiga.