A colangite biliar primária é uma doença autoimune, mais comum em mulheres entre 35 e 70 anos de idade e está frequentemente associada a outras doenças autoimunes, como artrite reumatoide, esclerose sistémica, S. de Sjögren, S. CREST e tireoidite autoimune.
A. R. G, sexo feminino, 57 anos, leucodérmica, auxiliar de idosos, com antecedentes pessoais de litíase biliar e renal, foi internada no serviço de Medicina II para estudo etiológico de dispneia com ligeiro derrame pleural bilateral e alterações das enzimas de colestase.
Tratava-se de uma doente que recorreu ao serviço de urgência por dispneia para pequenos esforços com 3 dias de evolução, sem ortopneia ou dispneia paroxística noturna. Referia tosse sem expetoração com várias semanas de evolução, sem febre.
Já no internamento, na revisão de sistemas, referia ainda: história de náuseas sem vómitos, sialorreia, esteatorreia e provável icterícia e colúria de caracter intermitente, com 4 anos de evolução, associado a astenia e perda ponderal com posterior recuperação (consultado RSE com alterações da GGT ~150U/L e FA ~300U/L pelo menos desde 2014). Evitava alguns alimentos da alimentação nomeadamente ovo, carnes e laranjas por agravar as náuseas. Referia ainda sinais e sintomas compatíveis com síndrome de Raynaud em ambas as mãos e artralgias de ritmo inflamatório de predomínio distal. Ao exame objetivo salientam-se a presença de fervores bibasais à auscultação pulmonar, espessamento irregular da pele de ambas as mãos, sem limitação articular, o exame objetivo do abdómen era normal.
Dos exames complementares de diagnóstico realizados na admissão há a salientar: analiticamente sem alterações do hemograma, leucograma, PCR e função renal, com alteração das enzimas de colestase (AST 46U/L, ALT 58U/L, GGT 247U/L, FA 647U/L, Bilirrubina total 0.44mg/dL), e Pro-BNP 565pg/mL. Gasimetria arterial em ar ambiente: compensada com hipoxémia ligeira. TC-torax com derrame pleural bilateral (máx. ~2cm) e aspecto em vidro despolido.
A doente permaneceu internada durante 5 dias, hemodinamicamente estável e com melhoria das queixas de dispneia. Do estudo etiológico realizado em internamento destaca-se positividade para os anticorpos antimitocondria e anticorpos antinuclear. Restantes exames complementares (autoimunidade, função tiroideia, proteinograma eletroforetico, virologias, marcadores tumorais, ecografia abdominal, TC abdomino-pélvica, ECG, ecocardiograma e espirometria).
Admitiu-se o diagnóstico final de colangite biliar primária, tendo tido alta sob dieta geral hipolipidica e Ácido ursodesoxicolico, orientada para consulta de Hepatologia/Medicina.
Com a apresentação deste caso clinico pretende-se não só alertar para o diagnóstico da colangite biliar primária, mas também reforçar a importância de realizar de forma sistemática uma anamnese completa, com revisão de sistemas, na admissão do doente em enfermaria, por forma a melhor orientar o diagnóstico e terapêutica e diminuindo o tempo de internamento.