Carolina Silva, Luísa Serpa Pinto, Cristina Torrão, Guiomar Pinheiro, Daniela Barroso, Ana Rita Cruz, Paulo Paiva, João Araújo Correia
INTRODUÇÃO:A prevalência de distúrbios alimentares em doentes com demência avançada é muito elevada e o seu aparecimento traduz uma fase terminal e expectável da doença. A utilização de sonda nasogástrica (SNG) para alimentação destes doentes não está recomendada pelas várias sociedades de Geriatria, uma vez que não aumenta a sobrevida nem a qualidade de vida destes doentes. Ao contrário daquilo que inicialmente se supunha, a sua eficácia na prevenção de fenómenos aspirativos e úlceras de pressão não é superior à da alimentação oral e acarreta efeitos deletérios, como complicações relacionadas com a própria SNG, desconforto e agitação psicomotora com necessidade de restrição, aumento de secreções orais que podem ser difíceis de gerir e conduzir à aspiração. Contudo, a sua utilização continua a ser uma prática muito comum quer em meio hospitalar quer em ambulatório.
OBJECTIVO:Avaliar a prevalência de uso de SNG para alimentação em doentes com demência avançada após o internamento num serviço de Medicina Interna.
MÉTODOS:Estudo de coorte retrospetivo, com uma amostra aleatória de doentes internados numa enfermaria de Medicina Interna entre 01-01-2018 e 31-12-2018. Foram selecionados os doentes internados em camas escolhidas aleatoriamente numa enfermaria e incluídos para análise os doentes com demência. Os doentes eram classificados como tendo demência avançada se apresentassem demência em estadio Functional Assessment Staging Test (FAST) 7c ou superior.
RESULTADOS:Incluídos 417 doentes internados durante o período do estudo, dos quais 27.1%(n=113) apresentavam demência. Trinta doentes(n=26.5%) apresentavam demência avançada. A maioria eram mulheres(63%,n=19), apresentavam uma idade média 79.8 anos(DP+18.0) e estiveram internados em média 20.1 dias(DP+18.6). A maioria dos doentes apresentava-se em situação de dependência total, com Karnofski performance status (KPS) médio 27%(DP+8%).
Cerca de 1/4 dos doentes(23%,n=7) apresentavam SNG para alimentação à admissão hospitalar e um apresentava PEG. Os restantes eram alimentados por via oral. Foram efetuados ensinos à família relativamente à administração alimentar nestes doentes e removida SNG em apenas um doente. A mortalidade hospitalar neste grupo foi 33% (n=10).
CONCLUSÕES:Atendendo aos princípios da beneficência, não maleficência e autonomia sobre os quais a prática da medicina se deve reger, a utilização de SNG não pode ser recomendada em doentes com demência avançada e neste coorte apenas ¼ dos doentes apresentavam estes dispositivos à admissão. À data de alta, apenas um doente passou a ser alimentado por via oral, o que traduz, no entender dos autores, a dificuldade dos profissionais e cuidadores em decidir remover este tipo de dispositivos após a sua colocação. A facilitação da alimentação e administração de medicação através da sonda é um dos factores que perpetua a sua utilização, tornando-se necessário consciencializar os intervenientes dos efeitos deletérios destes dispositivos.