Rita Lencastre Monteiro, Rodrigo Leão, Cristina Lima, César Vieira, Joana Diogo, Carolina Coelho, Rita Bizarro, Ana Gonçalves, José Jacome, Conceição Loureiro
Introdução: Segundo a Organização Mundial de Saúde existem 47,5 milhões de pessoas com síndrome demencial e estima-se que em 2050 aumente para os 135,5 milhões. Em Portugal a população geriátrica ocupa um papel preponderante na medicina interna, em particular o síndrome demencial. Uma abordagem correcta permite o diagnóstico e tratamento atempados das etiologias reversíveis de síndrome demencial.
Caso Clínico: Homem de 86 anos, autónomo com antecedentes pessoais de hipertensão essencial, dislipidemia e diabetes mellitus tipo 2. Foi levado ao serviço de urgência por um traumatismo occipital, sem síncope, após queda acidental. Na admissão apresentava-se apirético, agitado, orientado na pessoa, mas desorientado no tempo e espaço, com um discurso fluido mas desorganizado e com ataxia da marcha. Realizou TC CE que excluiu lesões agudas, destacando um padrão de encefalopatia microangiopática crónica, com enfartes lacunares núcleo-basais, atrofia corticosubcortical difusa e com sistema ventricular, espaços cisternais basais e sulcos corticais permeáveis com alargamento ventricular difuso no compartimento supratentorial. O doente foi internado para estudo e na enfermaria mantinha discurso confuso com ataxia da marcha. Avaliado pelo MoCA (Montreal Cognitive Assessment) com pontuação de 9/30 e MMSE (Mini Mental State Examination) com pontuação de 15 (escolaridade até ao 4º ano). Do estudo etiológico foram excluídas causas potencialmente reversíveis de síndrome confusional, infeção ou de alterações de fármacos recente. Apurou-se ainda a presença de incontinência de esfíncteres urinários nos últimos meses. Pela hipótese diagnóstica de hidrocefalia de pressão normal (HPN) foi pedida ressonância magnética que destacava ventriculomegália supra-tentorial com desproporcionais dimensões das cavidades ventriculares e dos sulcos corticais da alta convexidade. Realizou prova da marcha (7m) com tempo de 1 minuto e 56 segundos. Foi realizada PL evacuadora, com pressão de abertura de 21mmHg e o estudo do LCR foi inocente. Após PL evacuadora assistiu-se a uma melhoria franca do quadro clínico e nos testes de reavaliação, MOCA 23/30 e prova da marcha (7m) com tempo de 31 segundos.
Discussão: A HPN é de difícil diagnóstico por ser clinicamente insidiosa e afetar principalmente idosos, em que os síndromes demenciais são muito prevalentes. Em alguns casos apresenta-se com a tríade clássica de ataxia da marcha, demência e incontinência urinária – não surgindo em simultâneo na maioria dos casos. O diagnóstico precoce permite evitar as complicações irreversíveis como compressão cerebral e atrofia dos nervos ópticos com diminuição da acuidade visual, melhorando assim resposta ao tratamento de derivação. Quando diagnosticada e tratada de forma atempada, o prognóstico da HPN é favorável.