Inês Costa Santos, Carolina Palma, Joana Patrício, Ricardo Pereira, Hugo Casimiro, Beatriz Navarro, Mário Parreira, Ermelinda Pedroso
INTRODUÇÃO: As admissões hospitalares por hipoglicémia têm aumentado nos últimos anos, ocorrendo maioritariamente em doente diabéticos. Contudo, esta também pode surgir em não diabéticos. As principais causas de hipoglicémia neste contexto são insulinoma, nesidioblastose, neoplasia extrapancreática, fármacos não-antidiabéticos, como haloperidol e lítio, e hipoglicémia factícia.
CASO CLÍNICO: Doente do género feminino, 40 anos, previamente saudável, responsável por lar de idosos. Trazida ao serviço de urgência por quadro com 3 dias de evolução caracterizado por mal estar geral, astenia e episódios de tremores, tonturas e hipersudorese após curtos períodos de jejum, com melhoria da sintomatologia após ingestão de alimentos. Num desses episódios, terá avaliado a glicémia capilar, apresentando 48mg/dL.
Negava medicação crónica ou toma recente de qualquer fármaco, droga ou produto de ervanária. Ao exame objetivo, encontrava-se hemodinamicamente estável, sem défices neurológicos focais e com glicémia capilar de 148mg/dL (após glicose hipertónica), sem outras alterações relevantes. Perante o quadro, foi internada para vigilância e estudo etiológico.
Durante o internamento, foram documentadas as hipoglicémias, com predomínio dos sintomas de ativação adrenérgica, e melhoria clínica parcial após reforço calórico e aporte parentérico dextrosado. Colocou-se a hipótese diagnóstica de hipoglicémia hiperinsulinémica secundária a insulinoma ou nesidioblastose do adulto.
Para corroborar esta hipótese diagnóstica, realizou prova de jejum, verificando-se a tríade de Whipple, definida por sintomas de hipoglicémia, glicémia ≤40mg/dL e alívio da sintomatologia após administração de glucose. A TC abdómino-pélvica não revelou alterações pancreáticas. Os resultados da primeira prova foram inconclusivos. Foi repetida a prova, tendo os resultados revelado uma glicémia de 35mg/dL e níveis séricos praticamente indetetáveis de pró-insulina (0,2 pmol/L), péptido C (<0,1 μg/L), insulina (0,4 mU/L) e β-hidroxibutirato (0,03 mmol/L). Com base nestes resultados, suspeitou-se de hipoglicémia factícia.
Nesse mesmo dia, foram encontrados acidentalmente pela equipa de enfermagem análogos da insulina junto da mala da doente, que acabou por abandonar o internamento contra parecer médico. Posteriormente, aceitou ser referenciada a consulta de Psiquiatria, onde se apurou perturbação depressiva com hipoglicémia factícia associada, tendo a doente iniciado terapêutica farmacológica e mantido seguimento em consulta.
DISCUSSÃO: Apesar de incomum em indivíduos não diabéticos, o diagnóstico diferencial de hipoglicémia é de extrema importância, dada a gravidade das possíveis patologias subjacentes. Perante uma jovem com bom estado geral e com a tríade de Whipple, o insulinoma é o diagnóstico mais provável. O presente caso clínico pretende alertar para a importância de excluir outras causas, particularmente hipoglicémia factícia, situação que pode colocar em risco a vida do doente.