TORCATO MOREIRA MARQUES, DIOGO ANTÃO, LOURENÇO CRUZ, VALENTINA TOSATTO, CRISTIANO CRUZ, PAULA NASCIMENTO, ANDRÉ ALMEIDA, RITA BARATA MOURA
Coxiella burnetii é responsável por até 5% de todos os casos mundiais de endocardite. É quase sempre no contexto da forma crónica da Febre Q que esta entidade tem lugar, sobretudo mediada por fenómenos imunológicos. Existem no entanto alguns casos raros descritos de doença aguda com endocardite associada.
Os autores apresentam o caso de um homem leucodérmico de 79 anos, natural de uma área rural de Portugal, com história conhecida de cardiopatia hipertensiva e valvular com insuficiência cardíaca classe III NYHA, fibrilhação auricular hipocoagulada, DM tipo 2 sob anti-diabéticos orais, anemia crónica multifactorial.
Internado por um quadro de insuficiência cardíaca descompensada, 2 meses após substituição de válvula aórtica (estenosada por doença fibrodegenerativa), caracterizado por intolerância a pequenos esforços, dispneia paroxística nocturna e edema bimaleolar. A partir do 3º dia de internamento apresenta picos febris diários (>38ºC) e subida franca dos parâmetros inflamatórios pelo que, tendo em conta a colocação de prótese biológica recente, se colocou a hipótese de endocardite aguda. As hemoculturas (HC) foram negativas, ecocardiograma transtorácico e ecocardiograma transesofágico sugestivos mas não categóricos quanto à presença de vegetações e não se evidenciaram dados clínicos ou radiológicos de embolização periférica ou central. Realizada ainda PET que não evidenciou lesões hipermetabólicas valvulares, revelando várias adenopatias mediastínicas e supraclaviculares esquerdas, não patológicas por critérios tomodensitomátricos. Cumpridas quatro semanas de antibioterapia com Gentamicina e Vancomicina, sem que se tenha verificado remissão da febre.
No estudo complementar de presumível endocardite bacteriana com HC negativas, ressalva-se a presença de título IgG fase II 1:800 para Coxiella burnetii. Neste sentido, com ANA 1:160 +; VS 102 mm/h; electroforese com pico discreto alfa-1 e alfa-2, admitiu-se possibilidade de Febre Q aguda, hipótese corroborada após envio de amostras para o INSA (anticorpos fase II positivos 1:400 e fase I negativos, PCR negativa), Restante estudo imunológico revelou anticorpos anti Beta 2 IgM positivos (>100 UQ) e Ac. anti-cardiolipina IgM positivos > 60 UQ, interpretados também em contexto de fase aguda de Febre Q. Iniciada terapêutica antibiótica com doxiciclina 100 mg bid + hidroxicloroquina 300 3id, após início da qual se verificou resolução do quadro.
O presente caso serve para ilustrar a raridade da situação, assim como a dificuldade no diagnóstico de endocardite a febre Q sobretudo quando em fase aguda, tanto pela possibilidade de as vegetações serem de pequenas dimensões ou mesmo ausentes, assim como a variabilidade da apresentação no que diz respeito aos marcadores imunológicos.