Diana Mendes Oliveira, Nuno Melo, Jorge Oliveira, Jorge Almeida
Introdução: A decisão de hipocoagular um doente, mesmo que baseada em scores validados, pode ser difícil em determinadas situações, tendo em conta os riscos e benefícios. Com uma população progressivamente mais frágil e envelhecida, com comorbilidades múltiplas e polimedicada, os riscos da hipocoagulação podem ser elevados e condicionam muitas vezes a nossa decisão.
Caso Clínico: Este caso clínico trata de uma mulher de 86 anos, com história médica prévia de dislipidemia, hipertensão arterial, síndrome de Heyde (colocação de prótese biológica aórtica em 2001) e fibrilhação auricular permanente hipocoagulada, há vários anos, com varfarina. Na sequência de um internamento em 2015 por hemorragia digestiva alta, possivelmente associada a angiectasias jejunais (o estudo com cápsula endoscópica e enteroscopia por balão não conseguiram identificar com segurança o foco hemorrágico), foi decidido suspender o tratamento com varfarina. Cerca de dois anos depois, em Dezembro de 2017, a doente foi internada por acidentes isquémicos transitórios de repetição, manifestados por alteração da linguagem e défice sensitivo da mão direita. Atendendo ao facto de não ter apresentado episódios de hemorragia digestiva nos dois anos anteriores e ao risco elevado de acidente vascular cerebral embólico, foi decidido reiniciar hipocoagulação oral, desta vez com apixabano. Cerca de cinco meses depois, em Abril de 2018, a doente volta a apresentar novo episódio de hemorragia digestiva alta com foco hemorrágico “em toalha” identificado ao nível do jejuno proximal-médio por enteroscopia com duplo balão, a condicionar necessidade transfusional. Após tratamento local e estabilização clínica, a doente teve alta tendo sido suspensa novamente a hipocoagulação. Porém, cerca de um mês depois, a doente foi reinternada por quadro de isquemia renal esquerda de provável etiologia embólica, apenas para tratamento conservador. Nesta altura é reiniciada hipocoagulação com heparina de baixo peso molecular no internamento e, dada a estabilidade clínica e analítica, feito switch para varfarina para o domicílio. A opção pela varfarina teve em conta o agravamento da função renal e a maior facilidade de reversão da hipocoagulação, caso houvesse recorrência de fenómenos hemorrágicos. Após 6 meses de follow-up, a doente está clinicamente estável, sem novas perdas hemáticas e com INR em valores terapêuticos na maioria das avaliações.
Discussão: Este caso é exemplar da grande dificuldade que por vezes existe na decisão final de manter ou suspender a hipocoagulação, que acontece, em parte, pela ausência de estudos sobre os riscos e benefícios na população mais envelhecida com que lidamos. A decisão definitiva acabou por ser tomada, tendo em atenção o tipo de complicação – com lesão irreversível de órgão - que motivou o internamento, e esclarecendo sempre o doente e a família dos riscos e os benefícios das nossas opções.