Yasmin Mamade, Inês Mendes, André Gordinho, Árcia Chipepo, Francisco Pestana Araújo, José Lomelino Araújo
Introdução: Os autores apresentam um caso de fasceíte necrotizante que pela sua apresentação complexa envolveu diversas abordagens terapêuticas e colaboração entre especialidades num doente com prognóstico inicial reservado assistindo-se a resolução completa do quadro.
Caso clínico: Doente do sexo masculino de 73 anos, autónomo. Tinha história conhecida de dislipidémia e hipertensão arterial essencial, das quais não se conhecia controlo, tabagismo (100 UMA) e alcoolismo (40 g/dia) activos.
Recorreu ao serviço de urgência por quadro com 48h de evolução caracterizado por edema e dor do membro inferior (MI) direito, sem história de trauma. Negava febre ou outros sintomas associados.
À observação inicial encontrava-se vigil, hipotenso e taquicárdico (TA 70/48 mmHg, FC 130 bpm), apirético; da observação do MI direito salientava-se edema pronunciado da perna e pé, eritema e dor à palpação, com flictenas e áreas de necrose dispersas. Analiticamente destacava-se leucopénia (2460), trombocitopénia (102000), D-dímeros 15,96, ureia 145 mg/dL, creatinina 2,17 mg/dL, PCR 46,98 mg/dL. Gasimetricamente (hipoxémia pO2 67 mmHg, hiperlactacidémia 2,6 mmol/L).
Admitindo-se o diagnóstico de sépsis com ponto de partida em celulite extensa do MI direito, iniciou antibioterapia (ATB) com Piperacilina+Tazobactam. O doppler do MI não revelou trombose.
No internamento observou-se evolução rápida e desfavorável, com extensão dos sinais inflamatórios até ao flanco abdominal direito. Por isolamento de Streptococcus pyogenes em hemoculturas, foi dirigida ATB iniciando penicilina e clindamicina.
Colocada a hipótese de fasceíte necrotizante, realizou tomografia computorizada (TC) do MI que revelou densificação difusa do tecido adiposo subcutâneo ao longo de toda a extensão do MI e transição para a parede ântero-lateral do abdómen, pelo que foi de imediato submetido a desbridamento cirúrgico de toda a lesão necrosada. Posteriormente assistiu-se a boa evolução clínica e analítica com descida paulatina dos parâmetros inflamatórios, tendo cumprido 28 dias de ATB. Após 1 semana foi avaliado pelos colegas de Cirurgia Plástica, tendo realizado novo desbridamento cirúrgico de modo a preparar enxerto de pele. De modo a avaliar a vascularização foi pedida angioTC do MI que mostrou patência arterial, mas trombose venosa femoral, popliteia e ilíaca direitas, pelo que iniciou enoxaparina em dose terapêutica. Face à escassa vascularização da perna e pé direitos iniciou sessões em câmara hiperbárica, com boa resposta. Posteriormente foi possível realização de enxerto cutâneo, apresentando à data de alta franca melhoria clínica com integridade cutânea mantida.
Discussão: A medicina interna funcionou como especialidade integradora e coordenadora de cuidados pela cirurgia geral, plástica, vascular e medicina hiperbárica. Este trabalho de equipa permitiu que um caso complexo, com mau prognóstico, tivesse boa evolução clínica com recuperação funcional praticamente total do membro afectado.