Mariana Santos, Helder Santos, Daniela Rodrigues, Catarina Parente, António Cardoso, Fátima Campante
A pancreatite é mais frequentemente causada por litíase vesicular e consumo excessivo de álcool, contudo, existem outras causas raras, como a hipertrigliceridémia e a pancreatite a IgG4. A doença relacionada com a imunoglobulina G4 (DR-IgG4) é uma condição sistémica imuno-mediada cuja patogénese é pouco compreendida. A importância desta patologia reside no facto de ser uma entidade recentemente e crescentemente reconhecida, que veio relacionar várias doenças de órgão-alvo que partilhavam características patológicas, serológicas e clínicas. A DR-IgG4 pode afetar praticamente qualquer órgão, mas a pancreatite é reconhecida como a manifestação mais frequente. A DR-IgG4 caracteriza-se por infiltração linfoplasmocítica maciça, com plasmócitos IgG4-positivos, causando hipertrofia tumor-like dos órgãos afetados, pelo que é diagnóstico diferencial de neoplasias. Além disso, apesar de controversa, alguns estudos apontam para uma associação entre a DR-IgG4 e o aumento do risco de neoplasia. Inversamente, a história de neoplasia está associada com o desenvolvimento de DR-IgG4. Trazemos o caso de uma mulher de 59 anos, com antecedentes de cancro da mama, asma e artrite reumatóide medicada com leflunomida, que recorreu ao Serviço de Urgência (SU) por dor epigástrica com irradiação posterior, náuseas e vómitos, com cerca de 3 meses de evolução, e sem relação com as refeições ou presença de alterações do trânsito intestinal. Referia ainda febre intermitente no último mês. Havia recorrido várias vezes ao SU, tendo realizado análises e ecografia abdominal que não apresentavam alterações, e cumprido tratamento sintomático com melhoria e alta. Na última vinda ao SU, apresentava provas de função hepática e pancreática normais, mas VS e PCR aumentadas. Realizou TC abdominal que revelou pancreatite alitiásica, pelo que foi internada para tratamento e estudo etiológico. Analiticamente com níveis de triglicéridos e cálcio normais, bem como provas pancreáticas e hepáticas sem alterações. Os níveis de IgG4 estavam aumentados, e os anticorpos anti-nucleares eram negativos. Ao longo de uma semana, a paciente melhorou analítica e clinicamente, sem complicações. Foram consideradas como etiologias mais prováveis a toxicidade pela leflunomida ou uma pancreatite autoimune a IgG4. Após interrupção da terapêutica com leflunomida, a doente voltou a ter novo episódio de pancreatite aguda, pelo que se assumiu pancreatite a IgG4, estando a realizar exames complementares a fim de objetivar o possível envolvimento de outros órgãos-alvo.