Garcês, Rui; Fragata, Patrícia; Vieira, Vanessa; Cota, Pedro; Rego, Juliana; Ferreira, Fabiana; Rego, Almerindo.
As síndromes paraneoplásicas não estão diretamente relacionadas com a infiltração local do tumor ou da sua disseminação metastática. Associam-se à produção de citocinas pelas células tumorais com efeitos sistémicos ou à resposta imunológica do hospedeiro. Podem ser síncronas, preceder ou suceder o diagnóstico; por vezes associadas a um pior prognóstico. São entidades relativamente comuns no Cancro do pulmão. Os autores apresentam uma doente de 59 anos, fumadora ativa e enfisema pulmonar, com clínica de sudorese, palpitações, dor torácica pleurítica e dispneia associada com 2 horas de evolução. Pulso arrítmico, frequência cardíaca (FC) de 140 batimentos por minuto (bpm), normotensa, saturações periféricas de oxigénio de 89%. Sem ingurgitamento venoso jugular. Auscultação arrítmica, sem sopros audíveis; murmúrio vesicular diminuído na metade inferior do hemitórax esquerdo, sem sinais de estase. Membros inferiores sem edema ou sinais de trombose venosa profunda. Eletrocardiograma com taquicardia supraventicular, sem sinais de isquémia aguda. Fez dose de indução de amiodarona com reversão a ritmo sinusal com 85 bpm. Gasimetricamente com insuficiência respiratória tipo 1 ligeira. Análises: hemoglobina 11 g/dl, função renal e iões normais, o peptídeo natriurético (NT-Pro-BNP) 600 pg/ml, D-Dímeros negativos. Radiologicamente hipotransparência na base esquerda e derrame pleural ipsilateral. Fez toracocentese compatível com transudado. A TAC mostrou derrame pleural esquerdo, de moderado volume. Adenopatias mediastínicas pericentimétricas. Massa parenquimatosa do lobo inferior esquerdo com captação heterogénea (necrose) do contraste, condicionando envolvimento do brônquio lobar inferior homolateral. À direita sem nódulos sugestivos de depósitos secundários e com exclusão de outras lesões à distância. A broncofibroscopia revelou estenose total do brônquio esquerdo por tumor infiltrativo e vascularizado. Histologicamente compatível com carcinoma epidermóide. Concomitantemente, derrame pleural esquerdo recidivante cuja biópsia pleural foi negativa para células neoplásicas. A doente recusou Tomografia por emissão de positrões (PET), bem como a realização de tratamentos de quimio e radioterapia. Apresentou vários episódios de taquidisritmia com necessidade de anti-arrítmicos para controlo. O estudo cardíaco revelou: ecocardiograma sem alterações de relevo; HOLTER com extrassistolia supraventricular frequente; função tiróideia normal; enzimologia cardíaca seriada negativa. Manteve hipocoagulação pelo risco pró-trombótico pela refratariedade e pelo tumor em atividade, não sendo elegível para estudo eletrofisiológico atendendo ao tecto terapêutico e ao prognóstico reservado. Percepção de excitabilidade cardíaca subjacente ao quadro em doente sem cardiopatia e sem invasão do mediastino ou pericárdico. O peptídeo natriurético aumentado poderá estar associado à libertação de citocinas nestas síndromes paraneoplásicas, o que constitui um desafio para o diagnóstico.