Introdução: A imunoterapia com instilações de Bacillus Calmette-Guérin (BCG) é um tratamento eficaz e amplamente utilizado para o carcinoma superficial da bexiga. Os efeitos secundários sistémicos são raros, mas sérios. A sépsis por BCG é uma complicação ameaçadora de vida, devendo ser suspeitada em qualquer paciente sob este tratamento que se apresente com febre persistente.
Caso clínico: Um homem de 76 anos com antecedentes de hipertensão e carcinoma urotelial sob instilações mensais com BCG apresentou-se com astenia, anorexia, sudação nocturna e febre com cerca de 1 mês de evolução, sendo internado ao cuidado da Urologia com posterior solicitação de apoio da Medicina Interna para estudo. Referia episódios de perda de consciência, visão turva e tremores que motivaram múltiplas recorrências à urgência, a última das quais com alta sob amoxicilina/ácido clavulânico e azitromicina. Mencionava hematúria, tremores generalizados e dor hipogástrica após a 12ª instilação de BCG, um mês antes. À observação inicial encontrava-se hipotenso, sudorético, taquicardico, com crepitações inspiratórias bibasais e apresentava lesões maculo-papulares no dorso, tronco, membros superiores e coxas, e ainda lesões purpúricas confluentes nos membros inferiores. Analiticamente identificava-se disfunção renal, hematológica e citocolestase. Não tinha outros sintomas focalizadores, surgindo a possibilidade de sépsis por BCG nas hipóteses diagnósticas. Iniciou antibioterapia com levofloxacina e estudo etiológico. No dia seguinte mantinha-se hipotenso, prostrado, confuso, febril e com disseminação das lesões purpúricas. O estudo analítico mostrava leucocitose, PCR em crescendo, procalcitonina elevada e agravamento das disfunções renal e hematológica. Considerando a gravidade das disfunções, a relação temporal com o início dos sintomas e a exclusão de outros focos presumiu-se o diagnóstico de sépsis com ponto de partida vesical por BCG, iniciando-se terapêutica com antibacilares (isoniazida, rifampicina, etambutol e pirazinamida), levofloxacina e corticoterapia. Foi admitido na unidade de cuidados intermédios, evoluindo com melhoria clínica e analítica significativas. Voltou para o internamento após 5 dias para continuação de cuidados, apresentado resolução de todas as disfunções. Foi orientado para continuação de tratamento no centro de diagnóstico pneumológico e reavaliação em consulta. Terminou a terapêutica com antibacilares (6 meses), sem novas intercorrências.
Discussão: A sépsis por BCG é uma complicação rara, mas potencialmente grave. Nos casos de elevada suspeita o tratamento antibacilar deve ser instituído de forma imediata, mesmo sem confirmação do diagnóstico. Este caso representa a gravidade da apresentação desta entidade, cujo diagnóstico atempado e início da terapêutica possibilitou a recuperação total das disfunções.