André Maia, Catarina Carvalho, Paula Marques, José Eira
Introdução: A síndrome hipereosinofílica é uma entidade rara definida por hipereosinofilia (>1500 eosinófilos/µL) e atingimento de órgão-alvo. Pode ter causa infeciosa, autoimune, neoplásica ou idiopática. A abordagem assenta na pesquisa e correção urgentes de lesão de órgão-alvo em paralelo com estudo etiológico.
Caso clínico: Homem de 78 anos, antecedentes de neoplasia prostática, hipertensão arterial, dislipidemia, doença pulmonar obstrutiva crónica e estenose aórtica. Contacto com cão com leishmaniose e história de serviço militar na Guiné (anos 60). Observado por diarreia, vómitos e dor abdominal com duas semanas de evolução. Detetada hipereosinofilia (9200/µL), assumindo-se gastroenterite parasitária. Após duas semanas, manteve os sintomas e teve agravamento da eosinofilia. Internado para pesquisa de lesão orgânica e estudo etiológico; iniciou albendazole pela suspeita de causa parasitária. Em termos de lesão de órgão, constatou-se colite eosinofílica, e excluiu-se atingimento cardíaco, pulmonar, e digestivo alto. Do estudo etiológico, despistou-se causa neoplásica, infeciosa e autoimune (sem alterações de relevo na biópsia medular, mielograma, marcadores tumorais, endoscopia digestiva alta e baixa, broncoscopia, tomografia computorizada e ressonância magnética de tronco; culturas bacterianas, parasitárias, serologias e toxinas negativas). Demonstrou resposta inicial favorável ao albendazole com normalização do leucograma. Após término do ciclo, a hipereosinofilia recidivou e associou-se a polineuropatia sensitivomotora. O estudo microbiológico de controlo foi negativo (título de anticorpos para fascíola limítrofe - 1:160). Assumida síndrome hipereosinofílica idiopática e iniciada prednisolona (60 mg em desmame). Mostrou excelente resposta com resolução sintomática e normalização do leucograma. Apesar de ausência de achados imagiológicos sugestivos de fasciolose, iniciou praziquantel.
Discussão: Na síndrome hipereosinofílica, a lesão de órgão é causada por infiltração eosinofílica e determina a apresentação clínica. Neste caso a apresentação foi sob a forma de colite eosinofílica e posteriormente polineuropatia. O controlo da lesão de órgão com corticoterapia é imperativo e não deve ser protelado pela investigação etiológica. Uma exceção importante prende-se com o despiste de strongyloidose – enquanto não for excluída, deve ser ponderado o uso de corticoide pelo risco de hiperinfeção. Apesar de remota, o doente tinha história de serviço militar em África, motivando pesquisa deste agente. Após exculsão das principais causas, assumiu-se diagnóstico de síndrome hipereosinofílica idiopática, que foi corroborado pela marcada resposta à corticoterapia. Este caso destaca-se pela inversão do raciocínio diagnóstico: um doente que pelo contexto epidemiológico aparentava ter uma parasitose, com consequente colite e hipereosinofilia, revelou ter tido um percurso oposto – hipereosinofilia idiopática com lesão do tubo digestivo e consequente colite.