INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, Portugal assistiu a uma diminuição da incidência de Tuberculose, com uma taxa atual de aproximadamente 15.6/100.000 habitantes. No entanto, a incidência na população com origem estrangeira tem vindo a aumentar, traduzindo-se numa percentagem importante dos novos casos identificados no nosso país.
As formas extrapulmonares, apesar de raras, continuam a fazer parte do dia-a-dia da Medicina.
CASO CLÍNICO
Doente de sexo masculino, 35 anos, natural do Nepal, a residir em Portugal há dois anos, com hábitos etanólicos mantidos (± 80g/dia) e sem antecedentes pessoais conhecidos. Apresentava um quadro de febre vespertina (38-39ºC) desde há 10 dias. Nos últimos 8 dias também com diarreia, aumento do volume abdominal e epigastralgias, tendo sido medicado com Ciprofloxacina sem melhoria. Ao exame objectivo apresentava febre (38.8ºC) e um abdómen globoso, tenso, com sinal da onda líquida positivo, sem massas ou organomegálias, doloroso à palpação profunda nos quadrantes direitos. Laboratorialmente, a destacar proteína C reactiva de 185.5mg/L, sem alterações das provas hepáticas e exame urina II normal. A radiografia do tórax apresentava uma pequena calcificação peri-hilar esquerda e a tomografia computorizada abdominal objectivou uma acentuada ascite em todos os recessos peritoneais e aspectos sugestivos de “omental cake” ao nível do grande epiploon, sem alterações hepáticas sugestivas de doença crónica. O líquido ascítico apresentava 2140/uL leucócitos com predomínio de mononucleares (1720/uL), albumina 26.5g/L com gradiente albumina soro-ascite <1.1g/dL, lactato desidrogenase 571U/L com ratio líquido ascite-soro de 2.22U/L e adenosina desaminase elevada de 45U/L.
Mais tarde, os exames às fezes revelaram-se negativos, assim como os testes de amplificação dos ácidos nucleicos e o exame cultural microbiológico e micológico do líquido ascítico.
DISCUSSÃO
Tendo em conta a epidemiologia, o quadro clínico de ascite e febre, a ausência de evidência de doença hepática aguda ou crónica, ausência de síndrome constitucional marcado, as características do líquido ascítico e os achados imagiológicos, foi assumido o diagnóstico de Tuberculose Peritoneal. Foi iniciada terapêutica com Isoniazida, Rifampicina, Pirazinamida e Etambutol, verificando-se apirexia mantida e melhoria marcada da ascite a partir do 10º dia de terapêutica. Dada a melhoria clínica, o doente recusou ser submetido a biópsia para confirmação do diagnóstico.
A tuberculose abdominal é a sexta forma mais comum de tuberculose extrapulmonar, a seguir à tuberculose ganglionar, génito-urinária, óssea, miliar e do sistema nervoso central. A forma peritoneal é rara, sem características clínicas específicas e mesmo após uma investigação minuciosa, o diagnóstico pode ser equívoco. Um alto índice de suspeição é necessário e esta entidade deve fazer parte do diagnóstico diferencial de qualquer quadro de ascite e febre, de modo a permitir um diagnóstico e tratamento precoces.