Margarida Pimentel Nunes, Inês Branco Carvalho, David Prescott, Ana Isabel Brochado, Isabel Montenegro Araújo, Salomão Fernandes, Adriana Paixão Fernandes, Beatriz Donato, Rita Sérvio, José Luís Ferraro, Andreia Sofia Carlos, Raquel Almeida, António Martins Baptista, José Lomelino Araújo
Apresentamos o caso de um homem de 75 anos, com cardiopatia de função sistólica diminuída e sem doença coronária, diabetes tipo 2, hipoacúsia grave e doença renal crónica (DRC) conhecidas. Foi trazido ao nosso hospital após ativação da equipa de emergência médica por dispneia, apresentando taquicardia de complexos estreitos (180bpm), sem resposta a adenosina e necessidade de cardioversão elétrica, convertendo a bradifibrilhação auricular. Analiticamente a destacar DRC agudizada, troponina negativa e ligeira citocolestase de novo. No internamento, realizou ecocardiograma que revelou ventrículo esquerdo não dilatado com hipertrofia das paredes, aspeto mosqueado/infiltrativo do septo e padrão restritivo. A ressonância magnética cardíaca revelou T1 nativo aumentado globalmente (>1100ms), altamente sugestivo de amiloidose. Fez-se biópsia do recto, que foi negativa na coloração Vermelho do Congo. O estudo de mieloma (proteinograma, cadeias leves no sangue e urina e mielograma) foi negativo, e a cintigrafia óssea revelou apenas captação cardíaca. O doseamento de proteína amilóide A no soro era normal (3.8mg/dL). O estudo de autoimunidade alargado revelou apenas um anticorpo antinuclear 1:320 fino granular. Apesar das alterações hepáticas, havia a forte possibilidade destas decorrerem da hipoperfusão pós-taquicardia, pelo que se optou por não realizar pesquisa de amilóide por biópsia hepática. Procedeu-se então à biópsia do endomiocárdico, o único órgão seguramente afectado, que identificou material hialino corável com Vermelho do Congo e birrefringência verde em microscopia, característico de substância amilóide, concomitante a hipertrofia dos cardiomiócitos, fibrose e fibroelastose intersticial. O estudo imunocitoquímico foi fortemente positivo para ATTR, fracamente positivo para amilóide AA e negativo para cadeias leves kappa e lambda e beta-2-microglobulina. Perante amilóide ATTR, fez-se estudo genético para pesquisa de mutação pVal30Met no gene TTR, que foi negativa. Estabeleceu-se então diagnóstico de amiloidose senil, com envolvimento predominantemente cardíaco, sendo encaminhado ao hospital terciário, para realização de terapêutica dirigida, os estabilizadores de tetrâmeros de amilóide.
O envolvimento cardíaco isolado na amiloidose é comum na amiloidose ATTR e AL, e menos frequentes nas restantes. A amiloidose ATTR é a única que dispõe de terapia dirigida à amiloidose; nas restantes, resolver a causa é o único tratamento disponível.