Cristiana Fernandes, Miguel Costa, Sofia Barroso, Carlos Oliveira
A glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP) é uma síndrome caracterizada por perda rápida de função renal, associada à presença de mais de 50% dos glomérulos com crescentes epiteliais na biópsia renal. A variante pauci-imune é a forma mais comum da GNRP primária (80% dos casos). A patologia é definida por ampla inflamação glomerular com pouco ou nenhum depósito imune, geralmente concomitante a vasculite de pequenos vasos. Cerca de 90% dos pacientes com GNRP pauci-imune apresentam níveis circulantes de anticorpo anti-citoplasma de neutrófilos (ANCA), o que dá origem à nomenclatura da vasculite associada ao ANCA.
Homem, 63 anos, com antecedentes de diabetes mellitus tipo 2, hiperuricemia, dislipidemia e cardiopatia isquémica. Recorreu ao serviço de urgência por quadro de tosse seca, edema periférico e urina espumosa. No estudo foram identificadas alterações da função renal, assumindo-se insuficiência renal rapidamente progressiva (função renal previa normal). Tinha sedimento urinário activo, proteinúria nefrótica e rins imagiologicamente normais. Colheu estudo imunológico que revelou título elevado de ANCA MPO+; fez biopsia que mostrou alterações compatíveis com glomerulonefrite crescêntica pauci-imune. Excluiu-se atingimento pulmonar e iniciou terapêutica para a vasculite.
A glomerulonefrite com vasculite ANCA positiva é a forma mais comum de glomerulonefrite de novo em adultos com mais de 50 anos. Um diagnóstico atempado e o início de terapêutica imunossupressora apropriada é essencial para um bom prognóstico nos doentes com vasculite ANCA. O diagnóstico definitivo é confirmado por biopsia, no entanto é lícito fazer um diagnóstico presuntivo baseado na clínica, num teste positivo para ANCA e na baixa probabilidade de outra etiologia, de forma a iniciar precocemente o tratamento e diminuir a sua morbi-mortalidade. Sem tratamento, a GNRP pauci-imune tem uma mortalidade a 1 ano de 80%. Com a imunossupressão adequada, a sobrevida a 5 anos é de 75%. Uma idade mais avançada, a dependência de diálise e a presença de hemorragia pulmonar agravam o prognóstico. Apesar de ser possível induzir remissão na maioria dos doentes, cerca de 40% apresentam recidiva, o que significa que é necessário fazer uma monitorização apertada destes doentes.