Manuel Martins Barbosa, Elsa Araújo, Ana Pessoa, Gonçalo Marto
Introdução:
Phlegmasia cerulea dolens (PCD) refere-se a um tipo raro e extremo de trombose venosa profunda (TVP). É causada por obstrução do fluxo venoso, que conduz a um quadro súbito de edema generalizado do membro afetado, associado a descoloração azulada e dor. Pode complicar-se como gangrena venosa, compromisso arterial secundário, choque, tromboembolismo pulmonar e síndrome pós-flebítico.
Associa-se a estados pro-trombóticos como neoplasia, síndrome do anticorpo antifosfolípidico (SAF), procedimentos endovenosos, insuficiência cardíaca e gravidez.
Diferentes estratégias terapêuticas têm sido bem sucedidas, com recurso a anticoagulação, trombólise, trombectomia ou associação de ambas, dependendo da gravidade do caso.
Caso clínico:
Um homem de 44 anos, com antecedentes de excesso de peso, dislipidemia e hipertensão arterial recorreu ao serviço de urgência (SU) por lombalgia súbita que surgira horas antes ao levantar uma carga de pelo menos 30 quilos. O exame físico não revelou alterações de relevo, a mobilidade e sensibilidade distais estavam conservadas, apresentava tensão arterial (TA) de 145/70 mmHg e frequência cardíaca (FC) de 80 bpm. Foi-lhe administrada analgesia e assumida hipótese provável de patologia osteo-articular.
Após cerca de 45 minutos de espera o doente iniciou queixas de desconforto a nível do membro inferior esquerdo (MIE) e náusea. Ao exame físico era notório agora um edema generalizado do MIE, de coloração azulada, com pulso pedioso fino, mantendo-se a pele quente e sudorética. A reavaliação de TA documentou anisosfigmia (130/60mmHg MSD, 70/44mmHg MSE).
O doente foi transportado à Sala de Emergência (SE) por suspeita de dissecção aórtica. Foi realizado ecocardiograma point-of-care que revelou boa função biventricular, sem evidência sugestiva de cor pulmonale agudo e sem alterações a nível da aorta proximal.
Uma reavaliação de TA revelava agora menor diferencial de valores (121/90 mmHg MSD, 112/86 mmHg MSE). Realizou angiografia da aorta por tomografia computorizada (angio-TC) que excluiu patologia arterial e confirmou assimetria de diâmetro da veia ilíaca comum esquerda com conteúdo hipodenso no seu interior. A presença de trombo foi confirmada por estudo doppler.
Na alta foi medicado com rivaroxabano e iniciou seguimento em consulta de trombofilias, onde viria a documentar-se diminuição de níveis de Proteína C e anticoagulante lúpico positivo.
Discussão:
Este caso de PCD tem como um dos focos de interesse o diagnóstico diferencial com a dissecção aórtica. A dor lombar e anisosfgmia documentada funcionaram como factores confundidores no diagnóstico, especialmente na presença de uma súbita alteração de coloração do MIE. A realização de angio-TC e o doppler venoso do MI vieram confirmar a existência de uma trombose venosa exuberante compatível com daignostico d PCD. O tratamento com anticoagulação foi bem sucedido, e o diagnóstico de SAF viria a ser confirmado, identificando-se assim o factor causal.