Introdução
A febre Q é uma zoonose pouco frequente, com uma incidência estimada de cerca de 1 caso por cada 10^6 habitantes em Portugal. É causada pelo agente Coxiella burnetii e tem uma grande variedade de manifestações clínicas, o que dificulta o seu diagnóstico.
Caso clínico
Senhor de 43 anos, transportador de cadáveres de animais, com antecedentes de psoríase, sob terapêutica imunossupressora com Adalimumab, hipertensão arterial, não medicada e não controlada, e síndrome depressiva, sob anti-depressivo.
Recorreu ao Serviço de Urgência por astenia e dispneia para médios esforços com 2 semanas de evolução. Negava tosse, expetoração ou outras queixas respiratórias, cutâneas, gastro-intestinais, genito-urinárias ou osteoarticulares. Negava contactos sexuais de risco, consumo de produtos não pasteurizados ou água não engarrafada e viagens recentes.
Ao exame objetivo encontrava-se pálido e febril, hemodinamicamente estável, com boa saturação de O2, auscultação cardiopulmonar normal e sem outras alterações.
O estudo analítico inicial revelou leucocitose e elevação da PCR, bem como uma elevação aguda do valor de creatinina; sem alterações do painel hepático. A radiografia de tórax revelou um infiltrado no terço médio do hemitórax esquerdo, sugestivo de processo infecioso.
Foi admitido no Serviço de Medicina Interna, tendo iniciado antibioterapia empírica com Amoxicilina + Ácido clavulânico e Azitromicina. Pelo contexto epidemiológico foi pedido um estudo extensivo para identificação de zoonoses, bem como o estudo imunológico.
No 3º dia de internamento, por manter febre persistente e agravamento dos parâmetros inflamatórios analíticos, foi escalada a antibioterapia para Piperacilina + Tazobactam e Doxiciclina, com evolução subsequente favorável.
Ao 11º dia de internamento foram disponibilizados os resultados das serologias, com anticorpos IgM de fase 2 para Coxiella Burnetii positivos e IgG fase 1 e 2 negativos, o que confirmou o diagnóstico de Pneumonia por Coxiella ou Febre Q. O restante estudo microbiológico e imunológico foi negativo.
Teve alta para o domicílio, orientado para seguimento em Consulta Externa de Medicina Interna, tendo-se optado por prolongar a terapêutica com Doxiciclina, a suspender de acordo com a evolução dos valores das serologias.
Conclusão
Este caso confirma que no que toca às zoonoses, particularmente à Febre Q, é necessário um elevado grau de suspeição clínica, que motive um estudo adequado, para sermos eficazes no diagnóstico e orientação terapêutica. É de salientar ainda a necessidade de adequar a duração da terapêutica às características do doente e à forma de apresentação da doença, pelo risco de cronicidade.