Inês Ferreira, Ana Monteiro, Tatiana Vieira, Vanessa Chaves, José Pereira
INTRODUÇÃO
Os abcessos epidurais podem surgir como complicações secundárias de qualquer condição que resulte em bacteriémia. O principal microorganismo implicado é o Staphylococcus aureus. O abcesso pode levar a compressão mecânica da medula, que leva a diferentes alterações neurológicas, dependendo do nível medular afetado.
CASO CLÍNICO
Apresenta-se o caso de um homem de 74 anos, com hipertensão arterial e dislipidemia, medicadas.
Recorreu ao serviço de urgência por dor cervical posterior com agravamento progressivo e febre com 7 dias de evolução, associado a astenia e anorexia. História de tratamento dentário 3 dias antes do surgimento do quadro.
Ao exame objetivo, apresentava dor à mobilização cervical passiva e ativa. Sem défices neurológicos focais. Analiticamente, PCR 300 mg/L, sem outras alterações. Trazia RMN cervical realizada em ambulatório, que revelava sinais de processo infecioso espondilodiscal em C4-C5, com coleção endocanalar a esse nível, com deformação da medula. Assumido o diagnóstico de espondilodiscite e o doente foi internado na enfermaria sob ceftriaxone. Isolamento em hemoculturas de staphylococcus aureus meticilino-sensível. Realizou ecocardiograma transtorácico que revelou massa móvel na face ventricular da cúspide não coronária da válvula aórtica. No segundo dia de internamento, apresenta défices neurológicos de novo – hipofonia, tetraparésia arrefléxica e retenção urinária –, polipneia e hipotensão sustentada (80/50mmHg). Realizou RMN cervical emergente que revelou extensão de possível empiema epidural de C1 a C6, sem sinais de enfarte medular, mas a condicionar a sua compressão. Disfunção multi-orgânica em doente em choque séptico/neurogénico/estafilocócico: cardiovascular, renal, hepática e hematológica. Constatada ainda celulite da coxa esquerda.
Submetido a drenagem cirúrgica do empiema epidural, sem intercorrências, e admitido no pós-operatório imediato na Unidade de Cuidados Intensivos.
Ecocardiograma transesofágico sem evidência de coleções. Realizou TC cerebral e toraco-abdominal para exclusão de embolização, que revelou lesões bilaterais sugestivas de embolização séptica pulmonar e coleção nos músculos adutores à esquerda, que foi drenada por ecografia.
Isolamento de MSSA do empiema drenado cirurgicamente. Bacteriémia persistente até ao 13º dia de internamento e antibioterapia dirigida, pelo que se optou por adicionar rifampicina e gentamicina à terapêutica, pelo seu efeito sinérgico.
Teve alta para o hospital da área de residência ao 33º dia de internamento. Melhoria lenta, mas gradual dos défices neurológicos – à data de transferência força muscular grau 2 ao nível dos ombros, cotovelos e membros inferiores, força muscular grau 0 nas mãos.
DISCUSSÃO
Em cerca de 20% dos doentes, os abcessos epidurais podem levar a paraplegia irreversível. O prognóstico depende da celeridade da intervenção cirúrgica. Este caso demonstra o largo espectro de complicações que podem advir de uma infeção estafilocócica.