Francisca Pinto Beires, Sara Camões, Nuno Moreno, Alexandre Vasconcelos
A endocardite de Libman-sacks (marântica), caracterizada pela presença de vegetações estéreis, é uma patologia que se associa a doenças auto-imunes, como o lúpus ou sindrome anti-fosfolipídico (SAF) e entidades neoplásicas.
Descreve-se caso de homem de 45 anos com oligofrenia, hipertensão arterial, hipertrigliceridemia, diabetes mellitus tipo 2, obesidade e tabagismo activo, com internamento prévio cerca de 3 meses antes por acidente vascular cerebral (AVC) no território da artéria cerebral anterior esquerda, com sequelas de disartria ligeira e parésia da mão direita, que se admitiu ser secundário a endocardite da válvula mitral comprovado em ecocardiograma transtorácico (EcoTT). Colheu hemoculturas (HC) que posteriormente se revelaram negativas. Dado o contexto epidemiológico, colheu serologias para febre Q, que não foram a favor de infecção activa.
Recorreu novamente a urgência por disfagia, hemiplegia com hemihipostesia esquerda e parésia facial central esquerda, no contexto de novo AVC, agora no território da artéria cerebral média direita (NIHSS de 12), com 24 horas de clínica, motivo pelo qual não foi realizada trombólise.
Repetiu EcoTT onde é novamente descrita imagem aderente à face auricular, polipóide, pouco móvel, isoecogénica no terço distal do folheto anterior da válvula mitral com 3 por 6mm, sobreponível a exames anteriores.
Colheu novas HC, incluindo exame micológico, alargando estudo para agentes menos frequentes como a Bartonella henselae, Treponema whipplei, Mycoplasma, Borrelia, Brucella que se reveralaram negativos.
Tornando-se menos provável a hipótese de infeção como justificação para a vegetação valvular, e apesar de não apresentar quadro constitucional ou outra clínica que o sugerisse, realizou tomografia computadorizada toraco-abdomino-pélvica, que não revelou alterações sugestivas de neoplasia.
Colheu estudo imunológico que foi inocente, à exceção de anticoagulante lúpico positivo (1,2), positividade que se manteve na repetição do estudo 12 semanas depois. Assumida possível endocardite marântica no contexto de SAF, aparentemente primária, tendo iniciado hipocoagulação com antagonista da vitamina K e após 4 semanas, repetiu realizou ecocardiograma transesofágico que mostrava a persistência da lesão, ainda que de dimensões ligeiramente inferiores comparativamente a exame prévio. Discutido caso com Cirurgia cardiotorácica, tendo-se optado por não intervencionar o doente dada a melhoria ligeira, prosseguindo seguimento em ambulatório em consulta de Cardiologia e Medicina Interna.
Manteve hipocoagulação e realizou EcoTE de reavaliação 4 meses após a alta que documenta resolução da vegetação da válvula mitral, confirmando a suspeita de endocardite marântica.
Pretendemos alertar para a existência desta entidade, que implica a necessidade de elevada suspeita diagnóstica. Os doentes são habitualmente tardiamente diagnosticados, pelo que tendem a ter eventos tromboembólicos recorrentes com morbimortalidade significativa.