Mafalda Mourisco, Elsa Meireles, Fátima Pais, Fernando Moreira
Introdução:
A Granulomatose Eosinofílica com Poliangeíte é uma vasculite necrotizante de pequenos e médios vasos com variações no fenótipo clínico de acordo com a presença do anticorpo anti-citoplasma dos neutrófilos (ANCA).
Caso Clínico:
Mulher de 67 anos, autónoma e cognitivamente íntegra, recorre ao Serviço de Urgência por quadro de dispneia para pequenos esforços, anorexia e tosse com expetoração escura com 4 dias de evolução. Negada qualquer outra sintomatologia. Antecedentes pessoais de relevo: dislipidemia; sinusite e pólipos nasais; asma sem atopia; duodenite crónica com infiltrado eosinofílico. Ao exame físico: TA 154/90 mmHg; FC 104 bpm; FR 26 cpm; apirexia. Auscultação pulmonar: múrmurio vesicular globalmente diminuído e sibilância dispersa. Gasimetricamente com insuficiência respiratória tipo 1, a saturar a 85% em ar ambiente. Do estudo analítico, a salientar leucocitose com eosinofilia de 22.7% e PCR de 64. Realizou radiografia de tórax, onde se visualizavam infiltrados parenquimatosos, posteriormente esclarecidos por TC. Internada por infiltrados parenquimatosos e eosinofilia periférica, com valor relativo máximo de 33%. Sem envolvimento cutâneo, renal ou cardíaco. Persiste dúvida de eventual envolvimento cerebral por incidentaloma numa TC cerebral de 2018. Realizou broncofibroscopia com lavado broncoalveolar contendo 64% de eosinófilos, sem clonalidade. Estudo imune (incluindo ANCA) e vírico negativo, VS de 54, ECA normal, IgE ligeiramente aumentada, restantes imunoglobulinas normais. Iniciou-se corticoterapia sistémica, com normalização da eosinofilia nas 24 horas seguintes, e desmame da oxigenoterapia suplementar. A doente teve alta medicada orientada para a consulta, sob Prednisolona 1 mg/Kg/dia e profilaxia da osteoporose e da infeção por P. jirovecii.
Discussão:
Estão, assim, presentes critérios de granulomatose eosinofílica com poliangeíte, de acordo com o American College of Rheumatology: asma de diagnóstico tardio; sinusite; eosinofilia periférica superior a 10%; infiltrados pulmonares bilaterais e eosinofilia extravascular. Três fases são reconhecidas nesta doença: asma e manifestações de atopia, como rinossinusite, que podem preceder em meses ou anos a doença infiltrativa eosinofílica com eosinofilia periférica ou gastroenterite, culminando na fase vasculítica. A apresentação clínica deste caso sugere enquadrar-se na segunda fase. O envolvimento cardíaco e pulmonar são os mais frequentes nos 60% dos doentes com ANCA negativos. Este caso clínico salienta a importância de manter o espírito crítico perante um quadro respiratório agudo, bem como de um raciocínio clínico flexível e holístico.