João Enes Silva, Sofina Pinelas, Diana Oliveira, Clara Silva, Marta Patacho, Jorge Almeida
Introdução: a febre sem foco ou de origem indeterminada exige uma investigação etiológica alargada face a pluralidade das etiologias possíveis. Após investigação, as doenças neoplásicas, linfoproliferativas, auto-imunes e infecciosas apresentam-se como os principais grupos etiológicos.
Caso clínico:
Mulher de 70 anos, com antecedentes de hipotiroidismo pós-tiroidectomia total, hipertensão arterial, obesidade e patologia osteoarticular degenerativa. Medicada cronicamente com levotiroxina e ramipril + Hidroclorotiazida.
Recorreu ao serviço de urgência por um quadro com cerca de 2 a 3 semanas de evolução de febre, astenia e anorexia sem perda de peso. Negava sintomas respiratórios, urinários ou gastrointestinais. Sem noção de rash ou alterações cutâneas. Contexto epidemiológico inocente: sem viagens recentes, sem história de picada de insecto, contacto com animais restrito a 1 cão vacinado, consumo apenas de água engarrafada, sem consumo de produtos não pasteurizados ou caseiros e a viver em meio urbano.
O exame físico era inocente, confirmando-se ausência de alterações da pele e faneras ou adenomegalias, auscultação cardíaca e pulmonar normais, abdómen indolor e sem sinais de irritação peritoneal. Analiticamente, apenas com leucocitose (19.3x10^9/L), elevação da PCR (149.4mg/dL) e colestase (fosfatase alcalina 512U/L, GGT 818U/L) sem hiperbilirrubinémia ou citólise. Função renal, ionograma, plaquetas e hemoglobina normais. A ecografia abdominal e radiografia de tórax não revelaram quaisquer alterações. A doente colheu hemoculturas e foi internada para estudo. No internamento, a colestase agravou e as hemoculturas positivaram para citrobacter koseri, pelo que se iniciou antibioterapia com piperacillina–tazobactam e foi realizado TC-abdominopélvico que mostrou uma abcesso hepático do lobo esquerdo com 50x41mm e, uma imagem linear hiperdensa de 3,5cm com uma das extremidades no abcesso e a outra na parede do estômago. A doente foi submetida a cirurgia laparoscópica para drenagem do abcesso e o corpo estranho recuperado, uma espinha de peixe. Após a cirurgia, a paciente recuperou rapidamente, com resolução da febre, colestase e bacteriémia.
Discussão: se em alguns casos a febre sem foco pode resolver espontaneamente sem se chegar a uma etiologia, em alguns pacientes podemos estar perante doenças tratáveis e potencialmente graves, merecendo estes doentes a nossa atenção e avaliação sistemática. A identificação atempada do abcesso permitiu uma intervir antes de uma potencial evolução para um quadro de choque séptico e um prognóstico mais reservado.