Jorge Rodrigues, Ana Oliveira, Ana Sá, Luís Dias, Marta Mendes, Ana Mosca, Inês Gonçalves, Joana Morais, Paulo Medeiros, Barbara Ribeiro, Laura Costa, André Santa Cruz, Carlos Capela
Introdução: No mundo ocidental, estima-se que cerca de 30% dos adultos com mais de 65 anos de idade tenha cinco ou mais medicamentos na sua terapêutica habitual. Embora a polipragmasia possa ser necessária, esta aumenta o risco de efeitos adversos. Nos doentes idosos, classificados como totalmente dependentes, com doenças em estadios terminais, com índices de fragilidade elevados, a redução racional da terapêutica habitual é uma medida suportada por vários estudos. Com efeito, a desprescrição é definida como o processo sistemático de identificação e descontinuação de medicamentos nas situações em que os riscos de lesão superam os benefícios para determinado doente, tendo em conta os objetivos individuais do tratamento, o estado funcional do doente, a expectativa de vida, os valores e as preferências dos doentes. Objetivo: Comparar o número de substâncias ativas na terapêutica habitual dos doentes, na admissão ao internamento num serviço de Medicina Interna, com o número de substâncias ativas no plano terapêutico proposto à data da alta hospitalar, nos doentes idosos classificados como totalmente dependentes para as atividades de vida diária. Métodos: Estudo observacional retrospetivo, de base transversal, realizado sobre a população de doentes internados num serviço de Medicina Interna, entre janeiro e dezembro de 2018, com idade superior ou igual a 80 anos, classificados como totalmente dependentes segundo a escala modificada de Barthel.
Resultados: Dos 1707 episódios de internamento analisados, foram identificados 215 doentes que obedeciam aos critérios de inclusão. O número médio de comorbilidades identificadas por doente foi de 6,9 (DP 2,7). Registou-se que o número médio de substâncias ativas na terapêutica habitual na admissão ao internamento foi de 7,6 (DP 3,7). Já quando analisado o número de substâncias ativas propostas para a terapêutica habitual na data da alta do internamento, verificou-se uma média de 7,5 (DP 3,4), não existindo diferenças estatisticamente significativas (t(214)= 0,411, p= 0,682, d= -0,027) entre o número de substâncias ativas na admissão e na data da alta. Ao restringirmos a análise aos doentes com idade superior ou igual a 90 anos (n=73), verificamos que número médio de substâncias ativas na admissão ao internamento foi de 6,5 (desvio padrão 3,1) e o número médio de substâncias ativas propostas para a terapêutica habitual na data da alta foi de 6,6 (desvio padrão 3,0), não existindo mais uma vez diferenças estatisticamente significativas (t(72)= 0,224, p= 0,824, d= 0,032).
Conclusões: A desprescrição terapêutica ainda não é uma realidade praticada na população de doentes analisada. Sabemos que o número de substâncias ativas na terapêutica habitual dos doentes é o fator preditor singular mais importante de risco de iatrogenia. Com efeito, importa avaliar a possível existência de barreiras à realização da desprescrição, por parte dos médicos, dos doentes e dos familiares e/ou dos cuidadores.