Renata Carvalho, Isabel Eira, Gabriela Pinheiro, Sofia Ferreira, Cindy Tribuna, Cristina Ângela
INTRODUÇÃO: A encefalopatia nos doentes com múltiplas comorbilidades médicas apresenta-se ao internista como um desafio diagnóstico. Nesta apresentação, os autores discutem a abordagem etiológica de um doente prostrado, onde a encefalopatia urémica e a encefalopatia iatrogénica pela risperidona surgiam como diagnósticos pouco prováveis pelas restantes especialidades. Apesar de não existirem dados na literatura sobre a eliminação dialítica da risperidona, esta assumiu-se como corresponsável por uma encefalopatia de difícil resolução, num doente com doença renal crónica avançada.
CASO CLÍNICO: Homem de 69 anos, com antecedentes de Diabetes mellitus (DM) tipo 2 insulinotratado, com lesão de órgão alvo, nomeadamente retinopatia com amaurose bilateral e doença renal crónica (DRC) em estadio 5 (Taxa de filtração glomerular estimada de 11,2mL/min/1.73m2 e creatinina basal de 4,7mg/dL). Seguido em consulta de Psiquiatria por demência mista, medicado com risperidona. Admitido no Serviço de Urgência (SU) por prostração com um dia de evolução. A família referiu aumento da dose de risperidona de 1,5mg/dia para 1,75mg/dia no dia anterior. Negados outros sintomas ou outras alterações farmacológicas recentes. No exame objetivo, o doente encontrava-se com Escala de Coma de Glasgow (ECG) de 9: ao estímulo doloroso com abertura ocular, localização da dor e resposta verbal incompreensível. Analiticamente com creatinina de 5,7mg/dL, sem identificação de fatores de agravamento da função renal. Durante a permanência no SU foram documentadas duas hipoglicemias (mínimo de 21mg/dL), associadas a ausência de ingesta e insulinoterapia. Foram excluídas encefalopatia hiperamonémica, causas infeciosas e vasculares. Parecia tratar-se de encefalopatia metabólica pela ausência de sinais focais no exame neurológico, presença de sinais de encefalopatia no Eletroencefalograma (EEG) e ausência de alterações nos exames de imagem (Ressonância magnética cerebral). Após discussão com Nefrologia e apesar de se considerar pouco provável o desenvolvimento de encefalopatia urémica tendo em conta a função renal do doente, pela possibilidade concomitante de iatrogenia pela risperidona optou-se por iniciar técnica de substituição renal. Desde a primeira sessão assistiu-se a rápida recuperação do estado de consciência, mantendo progressiva melhoria em dias – atualmente com ECG de 15, sem alterações focais ao exame neurológico. Teve alta com programa regular de hemodiálise.
DISCUSSÃO: A risperidona e os seus metabolitos ativos são primariamente eliminados por via renal e a sua dose deve ser ajustada na insuficiência renal. Apesar de não ser conhecida a eliminação dialítica da risperidona, trata-se de uma pequena molécula de 410,49 g/mol, tornando possível a sua eliminação durante a diálise. Os autores discutem o papel da técnica dialítica na resolução de um caso de encefalopatia em que a combinação de fatores (uremia e utilização de risperidona) necessitou de um limiar de suspeição elevado.