Filipa Lima, Paula Costa, Isabel Borges, Marisa Rocha, Carolina Viveiros, Carina Machado, Raquel Cabral, Raquel Senra, Madalena Meneses, Luís Dias
Introdução: A amiloidose AL é uma doença rara, progressiva e habitualmente com mau prognóstico. Consiste na deposição de fibrilhas compostas por fragmentos de cadeias leves monoclonais, em diversos órgãos e sistemas (língua, coração, trato gastrointestinal, sistema neuromuscular e pele), podendo surgir também associada a discrasias de plasmócitos.
Caso Clínico: Doente de sexo feminino, 61 anos, caucasiana, com antecedentes pessoais de colite isquémica, insuficiência venosa periférica, patologia nodular da tiroide e síndrome da apneia do sono. Internada a cargo do Serviço de Otorrinolaringologia para estudo de edema da língua, com cerca de 2 anos de evolução, mas agravamento progressivo. Associadamente, com surgimento recente de edema dos membros inferiores, ortopneia e dispneia para pequenos esforços, razão pela qual foi pedida a colaboração da Medicina Interna. Ao exame objetivo, a salientar: turgescência venosa jugular; aumento do volume da língua e região submandibular; murmúrio vesicular diminuído no 1/3 inferior bilateralmente, com crepitações inspiratórias secas; membros inferiores com edema até à raiz da coxa; sem outros achados. Da investigação complementar, analiticamente: hipoalbuminemia (2g/dl), elevação do NT-proBNP (17114pg/ml), proteinúria sub-nefrótica (2,94g/24h), bence jones positiva para componente monoclonal lambda e aumento das cadeias livres lambda no soro e na urina. O ecocardiograma revelou hipertrofia do ventrículo esquerdo grave e assimétrica, com fração de ejeção preservada e enchimento restritivo. Atendendo à elevada suspeita clínica de Amiloidose, foi pedida a colaboração à Hematologia e foi realizada citometria de fluxo da medula óssea, que revelou apenas 3,4% de plasmócitos com características anormais, excluindo a presença de Mieloma Múltiplo e biópsia de medula óssea que revelou plasmocitose, sem outras alterações. O estudo genético realizado também não apresentou alterações. A biópsia da gordura da parede abdominal mostrou depósitos suspeitos de substância amiloide, presentes na parede de pequenos vasos e no tecido adiposo, contudo não foi possível identificar as cadeias leves monoclonais no tecido biopsado, impedindo assim o diagnóstico definitivo de amiloidose AL. A doente repetiu biópsia e foi referenciada à consulta de Hematologia, acabando por iniciar tratamento dirigido, apesar da ausência de um diagnóstico definitivo, atendendo ao agravamento rápido, após a alta.
Discussão: Este caso é muito sugestivo de uma Amiloidose AL, quer pelo fenótipo apresentado, com envolvimento cardíaco, renal e da língua, quer pela presença de componente monoclonal lambda no soro e na urina, não havendo também alterações genéticas nem outros aspetos sugestivos de outros tipos de amiloidose.
A suspeição clínica é fundamental para um diagnóstico atempado, uma vez que podem surgir contratempos que atrasam a marcha diagnóstica e o inicio precoce do tratamento, trazendo repercussões negativas no prognóstico da doença.