Ana Pedroso, Inês Ferreira,Vasco Costa, Rita Santos, Carolina Paulino, Bernardino Valério, Luís Coelho, Vítor Mendes, Camila Tapadinhas, José Esteves, Pedro Póvoa
Introdução: O Síndrome Hemolítico-Urémico (SHU) é definido pela tríade: anemia hemolítica não imune, trombocitopenia e lesão renal aguda, mediados por microangiopatia trombótica (MAT) sistémica. O SHU atípico(SHUa) resulta de lesão da microvasculatura por desregulação da atividade do complemento, que leva a lesão endotelial mediado pela ativação do C5. O eculizumab inibe a ativação do C5 e tem demonstrado a cessação rápida e sustentada da SHUa, com melhoria franca da função renal e redução da necessidade de diálise ou transplante.
Caso clínico: Mulher de 31 anos, saudável. Submetida a cesariana eletiva às 38 semanas, por malformação de Chiari Tipo 1, tendo-se complicado com hemorragia uterina e instabilidade hemodinâmica, pelo que foi submetida a histerectomia total.
Evolução no pós-operatório imediato com lesão renal aguda anúrica com necessidade de técnica de substituição renal, trombocitopenia (96.000 plaquetas), anemia (Hb:7.0g/dL) com < 1% de esquizócitos no esfregaço de sangue periférico e HTA de difícil controlo. Observou-se persistência da anemia com critérios de hemólise intravascular com progressiva subida dos esquizócitos para 4 %, provas de coagulação normais, iniciada plasmaférese e pulsos de metilprednisolona durante 5 dias seguido de 1mg/kg de prednisolona.
Dada a apresentação descrita, foi colocada a hipótese diagnóstica de SHUa, com base na seguinte investigação etiológica:CH50 60KU/L (32-58), C3 124mg/dL (normal), C4 15mg/dL (normal), Fatores B, I do complemento normais e H ligeiramente diminuído, Ac Anti-Factor H 30,41 UA/mL (aumentado), Ac antifosfolipido, Ac Cardiolipina e Anticoagulante lúpico negativos, ANA e anti-dsDNA negativos, Ac antiplaquetário negativo, Ac anti-ADAMST 13U/mL negativo; atividade ADAMST13: 1UI/mL (normal); Coprocultura com pesquisa de E. Coli toxinogénica e PCR toxina Shiga negativas.
Iniciou terapêutica com eculizumab 900mg sem intercorrências e suspendeu plasmaferese. Manteve administração semanal de eculizumab (durante 4 semanas; período de indução), tendo continuado com administrações quinzenais após a alta. Clinicamente melhorada após introdução de eculizumab, com parâmetros de hemólise em regressão e função renal melhorada. Manteve também corticoterapia com redução progressiva. À data de alta: Hb 8.7g/dL, Plaquetas:141.000, Cr:1.75mg/dL(ClCr:39mL/min/1,73m2), parâmetros melhorados na consulta 1 mês após alta: Hb:12,3 g/dL; plaquetas 306.000; Cr:1,45mg/dL(ClCr:48mL/min/1,73m2).
O estudo genético demonstrou homozigotia da deleção CFHR1-CFHR3.
Conclusão: O SHUa resulta da desregulação da resposta do complemento causando dano endotelial. A correta classificação e diagnóstico diferencial com outras MAT é decisivo uma vez que o eculizumab mudou por completo o prognóstico. O seu prognóstico é limitado, ficando a maioria dos doentes dependente de técnica de substituição renal. A introdução do eculizumab foi totalmente modificadora deste desfecho, controlando a doença e melhorando o prognóstico.