Introdução: A mutação G20210A do gene da protrombina é a segunda trombofilia hereditária mais comum, presente em 2% dos caucasianos, conferindo um risco de tromboembolismo venoso cerca de 2 a 4 vezes superior ao da população em geral. Por outro lado, a imobilidade, cirurgia e trauma, são, por si só, fatores de risco adquiridos para estes eventos. As fraturas ósseas podem também associar-se a embolismo gordo e ocorrem com frequência nos doentes com fraturas pélvicas ou de ossos longos. Este caso clínico apresenta-se como uma conjugação das situações descritas, interessando pelo contexto em que ocorreu o diagnóstico.
Caso clínico: Homem, 36 anos, vítima de acidente de viação, politraumatizado com várias fraturas ósseas (diafisária do úmero esquerdo, do troquiter direito, das apófises transversas de L3 e L4 à esquerda) e fratura do baço com indicação para terapêutica conservadora. Doente internado em Serviço de Ortopedia, sob imobilização prolongada após intervenção cirúrgica e sob enoxaparina em dose profilática, onde iniciou quadro febril, com dispneia súbita e insuficiência respiratória hipoxemiante. Foi realizada angiotomografia computadorizada torácica, que documentou tromboembolismo pulmonar (TEP) com defeito de repleção endovascular nos ramos lobar superior e lobar inferior da artéria pulmonar direita e respetivos ramos segmentares. Neste contexto, iniciou anticoagulação com enoxaparina em dose terapêutica, com melhoria clínica. Teve alta medicado com apixabano 5 mg b.i.d. durante 6 meses e orientado para consulta de Medicina Interna. Em regime de ambulatório, foi alargado o estudo etiológico de TEP, tendo-se documentado a presença da mutação G20210A do gene da protrombina. Pela presença de outros fatores desencadeantes e pela ausência de história familiar de eventos trombóticos, decidiu-se pela terapêutica anticoagulante profilática apenas em situações particulares de maior risco trombótico.
Discussão: A abordagem terapêutica inicial do tromboembolismo venoso em doentes com mutação G20210A do gene da protrombina é igual à dos outros doentes, compreendendo anticoagulação por 3 a 6 meses. A decisão de manter terapêutica anticoagulante indefinidamente depende da existência de fatores de risco adquiridos para o evento inicial e tem em conta outros aspetos, como a gravidade clínica inicial, a história familiar de eventos trombóticos, tromboses recorrentes ou mais de uma alteração pró-trombótica hereditária.