Catarina Couto, Gisela Vasconcelos, Ana João Sá, Mari Mesquita
Introdução: Dado que a magnitude do componente da resposta inflamatória mediada por neutrófilos em doentes neutropénicos pode estar alterada, a febre pode ser o único e mais precoce sinal de infeção. A identificação de febre no doente neutropénico, bem como o início precoce de antibioterapia empírica, podem evitar a progressão para o choque sético ou até mesmo a morte.
Desenvolvimento: F/ 58 anos, antecedentes de hipertensão arterial, DM tipo 2, dislipidemia, bócio multinodular, histerectomia total e ooforectomia por leiomioma uterino, gonartrose bilateral. Nega comportamentos toxicológicos ou sexuais de risco. Medicada habitualmente com nebivolol, dapaglifozina, metformina, pitavastatina e alprazolam. Inicio há menos de 1 mês de ticlopidina e HCTZ+amilorida pelo cardiologista assistente. Admitida no Serviço de Medicina por quadro de febre, cefaleias e mialgias com aproximadamente uma semana de evolução, associadas a úlceras na cavidade oral. Na admissão descrita como febril, hemodinamicamente estável, com gengivas edemaciadas e ruborizadas com coleções brancas e dolorosas, sem exsudados. Sem adenomegalias palpáveis, sem outras alterações ao exame objetivo. Analiticamente, leucopenia com neutropenia severa (0 neutrófilos) e esfregaço de sangue com raros linfócitos atípicos; PCR 130 mg/L; sem outras alterações. Sumária de urina e Rx tórax sem alterações. Iniciada antibioterapia empírica com imipenem e terapêutica antifúngica com fluconazol, após colheita de amostras para exames culturais. Do estudo realizado durante o internamento, de salientar: serologias víricas (EBV, CMV, Parvovírus B19, VIH, VHC e VHB) negativas; HCs e UCs sem isolamento de agente; proteinograma sem picos monoclonais, sem consumo de complemento; estudo imunológico negativo; sem défices vitamínicos ou de ferro; TC toracoabdominopélvico sem alterações. Mielograma e imunofenotipagem com alterações sugestivas de neutropenia secundária. Verificada evolução favorável durante o internamento, com recuperação rápida da contagem de neutrófilos.
Conclusão: Neste caso, após a exclusão de possíveis causas infeciosas, neoplásicas e imunológicas de neutropenia e considerando a evolução rápida e favorável após admissão hospitalar e suspensão de terapêutica habitual, a hipótese iatrogénica/tóxica surge como forte possibilidade. Os achados do mielograma e imunofenotipagem vieram sustentar esta hipótese. Após discussão do caso com Hematologia, decidida alta para o domicílio com indicação de suspensão da ticlopidina e HCTZ+amlodipina e vigilância por hemograma. Foi orientada para a consulta de Medicina e Hematologia, sem intercorrências posteriores ao internamento.