Bárbara Soeiro, Fani Ribeiro, Juliana Sá, Sara Castelo Branco, Teresa Medeiros, Daniela Carvalho, Sofia Correia, Rui Araújo
Introdução: A pericardite associada à doença renal crónica em estadio terminal divide-se em 2 entidades: a pericardite urémica e a pericardite associada à diálise. A primeira instala-se antes do início da hemodiálise ou nas primeiras 8 semanas de tratamento e a segunda em doentes dialisados há pelo menos 8 semanas. A sua incidência e a progressão para pericardite constritiva diminuíram drasticamente nas últimas décadas com o advento da hemodiálise.
Caso Clínico: Relatamos o caso de uma mulher de 78 anos, caucasiana, com antecedentes de doença renal crónica (DRC) estadio G4A2 da KDIGO, de etiologia hipertensiva, diabética e isquémica (aterosclerose das artérias renais). Desconhecida patologia cardíaca prévia. Apresenta-se com quadro com 1 mês de evolução de astenia, anorexia e náuseas e com 1 semana de evolução de oligúria, edema dos membros inferiores e dispneia para médios esforços. Objetiva-se agravamento da função renal para estadio 5, com acidose metabólica, hipercalemia e anemia agravada. Foi excluída obstrução renal. O ECG mostrava uma fibrilhação auricular, de tempo indeterminado, com resposta ventricular rápida, sem alterações do segmento ST-T. Fez transfusão de 1 unidade de glóbulos rubros, controlo de frequência cardíaca e iniciou hemodiálise intermitente, completando 2 sessões por fístula arterio-venosa. Evoluiu com choque, com hipotensão refractária a fluidoterapia, bradicardia sinusal (50/min), má perfusão periférica com hiperlactacidemia (3mmol/L), turgescência venosa jugular, acidemia grave (pH 6,8), hipercalémia (6,1mEq/L) e alteração do estado de consciência. Foi iniciado suporte aminérgico (com noradrenalina, e dobutamina transitoriamente) e técnica dialítica contínua. Realizou ecocardiograma transtorácico que revelou derrame pericárdico de pequeno volume, espessamento pericárdico e “septal bounce” com dilatação da veia cava inferior, compatível com pericardite efusivo-constritiva.
Após 3 dias de diálise contínua e 3 dias de diálise convencional com resolução de todas as disfunções e ecocardiograma a mostrar resolução do derrame pericárdico e “septal bounce” menos evidente. Fez estudo para tromboembolismo pulmonar, vasculite, lúpus eritematoso sistémico, síndrome de sjögren, mieloma múltiplo, amiloidose e hipotiroidismo que foi negativo. Assumido o diagnóstico de pericardite urémica com grau de constrição a contribuir para o choque.
Discussão: A fisiopatologia da pericardite urémica é desconhecida e os doentes habitualmente não apresentam os sintomas e sinais típicos da pericardite infeciosa como dor torácica e alterações electrocardiográficas. A evolução com cardiopatia constritiva é rara na atualidade com o advento de hemodiálise eficaz. Este caso pretende demonstrar uma evolução com choque e disfunção multiorgânica em contexto de insuficiência renal terminal, com diálise convencional ineficaz inicialmente e contributo da pericardite efusivo-constritiva com insuficiência cardíaca direita.