Joana Nascimento, Tiago Vasconcelos, Raquel Pinho, Lígia Pires, Domitília Faria, Luísa Arez
INTRODUÇÃO: A limitação do suporte vital (LSV) consiste na decisão da não instituição de procedimentos que visem o prolongamento da vida, ou na interrupção dos mesmos, em doentes sem viabilidade de recuperação, sustentada por consensos éticos adequados. Se, outrora, o diagnóstico de SIDA constituía um critério para a LSV, atualmente, com a mudança do paradigma na sobrevida de doentes com infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), com a introdução da terapêutica anti-retroviral (TARV), tal perde sentido. CASO CLÍNICO: Mulher, 32 anos, melanodérmica, precárias condições sócio-económicas. Consumo, até 2015, de cocaína e heroína inaladas, hábitos etanólicos atuais. Diagnóstico de infeção por VIH1 em 2004, estadio SIDA desde 2010, nadir CD4 de 41 células/mm3, carga viral de 803.004 cópias/mL, má adesão à consulta e TARV. Vários internamentos por intercorrências infeciosas oportunistas entre 2010 e 2018, nomeadamente tuberculose pulmonar, pneumocistose, pneumonias inespecíficas, candidíase orofaríngea e esofágica, retinite por citomegalovírus, e herpes genital recidivante. Recorreu ao serviço de urgência, em Novembro de 2018, por dor torácica e dispneia, tendo ficado internada por pneumonia pneumocóccica. Ao terceiro dia de internamento choque séptico com falência multiorgânica, com necessidade de ventilação mecânica invasiva, suporte vasopressor e técnica de substituição renal. Inicialmente considerada indicação para LSV pelos múltiplos antecedentes infeciosos, com imunodepressão grave (CD4 < 50) e não adesão à TARV. Após discussão do caso em equipa, a mesma foi reconsiderada, visto não existirem episódios prévios de falência orgânica e de terapêutica de substituição de órgão (TSO) nem doença não tratável, pelo que foi admitida na unidade de cuidados intensivos (UCI) com posterior evolução clínica e analítica favoráveis. Aquando da alta, doente hemodinamicamente estável, com recuperação do grau de autonomia prévio. Mantém, até à data atual, adesão à consulta e TARV. CONCLUSÃO: O caso clínico pretende demonstrar o dilema bioético inerente à tomada de decisão de LSV e à mutabilidade da mesma. A reconsideração da decisão inicial de LSV e consequente investimento terapêutico culminaram na recuperação clínica da doente, bem como na adesão ao tratamento. Será que o grau de imunodepressão e não adesão à TARV pode constituir, per si, um critério de LSV, mesmo perante um doente com potencial de recuperação e de recondicionamento da gestão da sua doença? Prevalece a necessidade de uma abordagem mais profunda e clarificadora das questões bioéticas envolvidas nesta tomada de decisão.