Carolina Paiva, Filipa Guimarães, Sara Castelo-Branco, Frederico Duarte, Miguel Neno, Eduardo Eiras
INTRODUÇÃO: A anemia hemolítica auto-imune é uma perturbação hematológica rara. É caracterizada pela destruição de eritrócitos e mediada por imunoglobulinas circulantes no sangue. Está associada a várias condições clínicas, nomeadamente a quadros infeciosos, cujos microrganismos mais frequentemente envolvidos são o Mycoplasma pneumoniae, Plasmodium sp., Babesia sp, e Bartonella sp.
CASO CLíNICO: Homem de 24 anos sem antecedentes de relevo, recorreu ao serviço de urgência por diarreia (sem sangue ou muco), dor abdominal, febre (39ºC), icterícia e colúria com 4 dias de evolução, sem contexto epidemiológico relevante. Ao exame objetivo febril e ictérico. Analiticamente apresentava leucocitose (14 084/L), PCR elevada (297mg/L), hiperbilirrubinemia à custa da bilirrubina indireta (bilirrubina total 7.7mg/dL; bilirrubina direta 0.8mg/dL), hemoglobina (Hb) 14.9 g/dL e hemoglobinúria (200/µL). Internado com a suspeita diagnóstica de Gastroenterite aguda (GEA) bacteriana tendo iniciado empiricamente ceftriaxone 2g/dia endovenoso após colheita de hemoculturas e coproculturas. Nas primeiras 24 horas de internamento objetivada anemia (Hb mínima 9.5g/dL) sem perdas hemáticas evidentes. O estudo complementar mostrou LDH elevada (1364U/L), haptoglobina diminuída (<8.0mg/dL) e prova de Coombs direta positiva; serologias víricas negativas (VIH, VHB e VHC); estudo imunológico a destacar ANAs positivos (1:320 com padrão fino granular com mitoses ativas) e calprotectina elevada (112mg/Kg); fator reumatóide, anti Ds-DNA, ENAs, ASCAs, ECA, anti células parietais, anti-gliadina G, anti transglutaminase negativos, sem consumo de complemento ou elevação de imunoglobulinas. Estudo imagiológico abdominal sem alterações. Ao 3º dia de internamento foi isolado nas fezes Campylobacter jejuni, pelo que alteraou antibioterapia para azitromicina que cumpriu durante 7 dias. Assumiu-se anemia hemolítica auto-imune em contexto de GEA pelo agente isolado e iniciada corticoterapia na dose de 1mg/Kg/dia com excelente resposta clínica. Do ponto de vista analítico, com recuperação do valor de hemoglobina e normalização dos parâmetros de hemólise.
Aos 3 meses de follow-up, após desmame de corticóide, assintomático e sem alterações analíticas.
CONCLUSÃO: O caso descrito traduz o desenvolvimento de uma anemia hemolítica auto-imune no contexto de uma GEA bacteriana por Campylobacter jejuni, situação extremamente rara. Pretende-se realçar a importância do estudo detalhado e criterioso, mesmo em doenças comuns e geralmente pouco graves (como a GEA) dada a associação de condições clínicas de maior gravidade que exigem uma abordagem dirigida e um trabalho de equipa multidisciplinar com claras vantagens nos cuidados médicos prestados aos doentes.