INTRODUÇÃO: A icterícia resulta da deposição de bilirrubina nos tecidos, conferindo-lhe uma colocação amarelada. A icterícia por hiperbilirrubinémia conjugada pode ser devida a colestase intra ou extra-hepática. A icterícia associada a sépsis (SPS) tem uma incidência de 0.6%-54% em adultos, sem preferência de género, sendo os agentes mais implicados o Streptococcus, S. aures, E. coli, Klebsiella e Pseudomonas. A colestase deve-se à inibição canalicular da excreção de bilirrubina conjugada por ação de citocinas pró-inflamatórias (TNF-ɑ, IL-1, IL-6) libertadas por macrófagos em resposta a endotoxinas.
CASO CLÍNICO: Homem, 71 anos, com hipertensão arterial, dislipidémia e cardiopatia isquémica. Cria galinhas e coelhos, cultiva horta, refere contato com ratos. Consumo 20g álcool/dia. Recorre à urgência (SU) por quadro de infeção respiratória, tendo sofrido punção venosa difícil da mão esquerda. Desenvolve quadro de edema e sinais inflamatórios do membro superior esquerdo e icterícia, pelo que recorre novamente ao SU 13 dias depois. Objetivamente: TT 39ºC, sinais inflamatórios da mão esquerda e icterícia. Analiticamente com parâmetros inflamatórios elevados (Leuc 19.200, Neutr 87.1%, PCR 34.15 mg/dL), padrão de citocolestase (AST 181 UI/L, ALT 214 UI/L, FA 84 UI/L, BT 10.9 mg/dL, BD 10.2 mg/dL) e aumento do tempo de protrombina. Ecografia abdominal e TC-abdominopélvica: vesícula biliar com microfoco litiásico intraluminal sem colecistite. Iniciou ceftriaxone e vancomicina após hemoculturas, onde se isolou S. aureus sensível à penicilina em hemoculturas, pelo que se ajustou antibioterapia. Foi excluída focalização cardíaca, mas verificou-se artrite séptica e osteomielite do punho esquerdo através de exames de imagem. Relativamente ao estudo da icterícia foi excluída: infeção por HAV, HBV, HCV, EBV, Herpes, Sífilis, Mycoplasma, Coxiella, Borrelia, Rickettsia, Leptospira; causa neoplásica ou estrutural por TC-toracoabdominopélvica e colangioRM; causa autoimune (ANA, ENA, AMA, ASMA, Anti-LKM); causa medicamentosa ou alcoólica; causa metabólica (Ferro sérico 33, Ferritina >2000, Saturação Transferrina 19.9%). Cumpriu 6 semanas de penicilina endovenosa, mais 2 semanas de flucloxacilina em regime de hospitalização domiciliária com resolução dos parâmetros inflamatórios e de citocolestase. Assumiu-se assim icterícia devido a colestase intra-hepática por bacteriémia a S. aureus com ponto de partida em celulite da mão esquerda complicada de osteomielite e artrite séptica.
DISCUSSÃO: Os autores trazem este caso para alertar para o facto da SPS ser uma causa esquecida de icterícia, podendo a icterícia ser a primeira manifestação de um quadro séptico. É fundamental reconhecer precocemente esta etiologia para iniciar tratamento antibiótico atempado, dado o prognóstico estar estritamente relacionado com a eficácia do tratamento da infeção.