Mulher, 68 anos, com antecedentes de Hipertensão Arterial, Diabetes mellitus não insulino-tratada, Dislipidemia e Enfarte Agudo do Miocárdio sem supra-ST. Observada no Serviço de Urgência (SU) por quadro com dois dias de evolução de alterações da fala e perda de força no hemicorpo direito. Ao exame objetivo (EO), doente hipertensa (PA 158/55mmHg), Glasgow Coma Score (GCS) 15/15 e sem alterações no exame neurológico (EN). Dos exames complementares de diagnóstico (ECD) realizados, a destacar alterações de novo no eletrocardiograma (ECG) – figura 1, com QTc longo (486ms), inversão da onda T de V1 a V6, DII e DIII e índice de Sokolow normal. Marcadores necrose miocárdica (MNM) seriados normais. A doente manteve-se sem alterações no EN e teve alta. Regressa ao SU por reaparecimento do quadro, agora associado a alterações da marcha. Ao EO, com GCS 15/15, discurso com parafasias, hemiparésia direita com força muscular grau 4/5 e sinal Babinski em extensão à direita. Dos ECD realizados, a salientar persistência das alterações no ECG prévio - figura 2, com MNM seriados normais. Assumido quadro neurológico agudo, pelo que realizou tomografia computorizada crânio-encefálica. Esta evidenciou enfarte lacunar sub-agudo, com hipodensidade ao nível do putámen e corona radiata à esquerda. Neste contexto, a doente foi internada na Unidade Cerebro-Vascular. Um ano após a alta, a doente realizou ECG, este sem evidência das alterações descritas – figura 3.
As alterações no ECG após AVC agudo são frequentes, 29-96%, sobretudo quando envolve lesão de estruturas do sistema límbico, córtex insular e cingulado anterior, mediante modulação da atividade autonómica cardíaca. Por ordem de frequência, ocorre inversão da onda T, ampla e difusa, QTc longo, fibrilhação auricular e alterações de ST e associam-se a maior mortalidade cardiovascular intra-hospitalar e aos 90 dias após AVC. Estes achados no ECG de novo aliados a sintomas neurológicos, deverão levar à suspeita de AVC agudo em evolução.