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DANDO TEMPO AO TEMPO: UM CASO DE POSITIVIDADE TARDIA…
Doenças cérebro-vasculares e neurológicas - E-Poster
Congresso ID: P637 - Resumo ID: 810
Centro Hospitalar de Setúbal, EPE
Daniela Félix Brigas, Francisco Morgado, Gonçalo Bonifácio, Rodrigo Vieira, André Militão, Rui Matos, Susana Marques, Ermelinda Pedroso
As manifestações neurológicas da Doença de Lyme, presentes em cerca de 5 a 20% dos casos, podem ter uma apresentação clínica muito variável, constituindo um verdadeiro desafio diagnóstico, particularmente na ausência de uma história típica ou outros sintomas mais comuns.
Apresentamos o caso de uma mulher de 69 anos que recorreu ao Serviço de Urgência por queixas de cefaleia occipital pulsátil, com cinco dias de evolução e agravamento progressivo, associadas a diplopia e parésia facial esquerda do tipo periférico. A doente vivia numa zona rural, com contacto próximo com animais, mas não se recordava de ter sido picada por uma carraça. Não se objetivou qualquer exantema ou outras lesões cutâneas. Ao longo do internamento, verificou-se um agravamento progressivo dos défices, aos quais se associaram uma parésia bilateral do VI par craniano e hipostesia do antebraço e mão esquerdos. Colocou-se a hipótese de patologia inflamatória, pelo que foi iniciada corticoterapia, com alguma melhoria. O estudo inicial, apesar de extenso, foi inconclusivo e a doente teve alta, com indicação para continuar a investigação no âmbito da consulta. De destacar que, nesta altura, foi pesquisada a presença de anticorpos anti Borrelia burgdorferi (IgM e IgG) no líquido encéfalo-raquidiano (LCR) e no soro, a qual foi negativa.
Cerca de um mês depois, a doente voltou ao Serviço de Urgência por agravamento da parésia facial periférica, associada a um quadro com 3 dias de evolução de dorsalgia direita e tetraparésia flácida de predomínio proximal. Ao exame neurológico, objetivava-se ainda parésia de grau 2 na flexão do pescoço, arreflexia osteotendinosa dos membros inferiores e parésia do III par craniano direito. Sendo um quadro compatível com um Síndrome de Guillain-Barré atípico, optou-se por realizar terapêutica com imunoglobulina humana, com pouco benefício. Posteriormente, nesta segunda investigação, foram detetados anticorpos IgG anti Borrelia burgdorferi no soro e no LCR, por técnica de ELISA e immunoblot. Foram excluídas outras causas, nomeadamente patologia autoimune ou neoplásica. Após ciclo de antibioterapia com ceftriaxone e início de reabilitação motora durante o internamento, verificou-se progressiva melhoria dos défices neurológicos.
Este caso ilustra a elevada complexidade que envolve a marcha diagnóstica da neuroborreliose, sendo caracterizado por uma constelação de manifestações neurológicas pouco comuns e com aparecimento cumulativo ao longo de várias semanas. A investigação foi dificultada quer pela ausência de uma história típica que permitisse enquadrar os défices numa manifestação tardia da Doença de Lyme, quer pela negatividade dos anticorpos específicos numa fase precoce da infeção, altura em que a sua sensibilidade é francamente menor.