Jéssica Chaves, Carolina Morna, Alexandra Malheiro, Augusto Barros, Maria da Luz Brazão
Introdução: A hipertrigliceridémia (HTG) grave, pode resultar em pancreatite potencialmente fatal e é caracterizada por níveis plasmáticos de triglicéridos (TGs) >11,3 mmol/L. A presença de HTG grave e pancreatite aguda, na ausência de outras causas, é conhecida por pancreatite hipertrigliceridémica (PH). Níveis de TGs superiores a 5 mmol/L podem causar níveis de amilase falsamente normais, bem como um curso mais insidioso da doença levando a valores de amilase normais aquando da avaliação médica. As opções terapêuticas para a PH incluem infusão de insulina e plasmaferese. Não existem, contudo estudos clínicos que comparem infusão de insulina versus plasmaferese no outcome clínico.
Caso Clínico: Apresenta-se um doente, 49 anos com antecedentes pessoais de dislipidémia e hábitos alcoólicos, medicado habitualmente com sinvastatina 20 mg, que recorreu ao Serviço de Urgência Hospitalar por epigastralgias, náuseas, anorexia e astenia com 2 meses de evolução. Referia ainda cerca de 3 a 4 episódios diários de vómitos alimentares e uma perda ponderal de 14 Kg nos últimos 3 a 4 meses. No exame físico à entrada apresentava-se hidratado, hemodinamicamente estável e apirético. Abdómen mole e depressível, difusamente doloroso à palpação profunda, com hepatomegália palpável 4 cm abaixo da grelha costal, sem sinais de reação peritoneal. No estudo analítico apresentava plaquetas 213.000 µL, glicose 75 mg/dL, TGs >14000 mg/dL, GOT 424 U/L, GGT 2359 U/L, LDH 401 U/L, bilirrubina total 1,96 mg/dL, bilirrubina indirecta 1,48 mg/dL, amilase 8 U/L, proteína c reativa 0,26 mg/L. Atendendo à apresentação clínica decidiu-se internamento no Serviço de Medicina Interna para estudo de eventual neoplasia oculta e tratamento de HTG. Durante o internamento foi realizada tomografia computorizada (TC) toraco-abdomino-pélvica que revelou indefinição de contornos entre a cabeça do pâncreas e a segunda porção do duodeno e endoscopia digestiva alta que revelou mucosa duodenal congestionada. Fez controlo lipídico e da HTG que foi tratada com hidratação e jejum. O doente foi proposto para realização de plasmaferese, não realizada por ausência imagiológica de pancreatite aguda. O estudo para neoplasia oculta foi negativo. Durante o internamento apresentou melhoria clínica com correspondente regressão do valor de TGs e enzimologia hepática. O doente teve alta medicado com fenofibrato 267 mg e atorvastatina 20 mg, com indicação para evicção alcoólica e realização de Ressonância Magnética (RM) abdominal e colangio-RM de controlo e referenciado para consulta de Medicina Interna – Dislipidemia. A RM abdominal evidenciou pancreatite aguda em resolução. Na consulta de dislipidemia apresentou perfil lipídico controlado com TGs dentro dos valores normais.
Discussão: Pretende-se, com este caso, alertar para a dificuldade em obter um diagnóstico acertado e consequente abordagem terapêutica perante casos de PH com amilase falsamente normal.