Micaela Manuel, Carla Fontes, José Meireles, Jennifer Costa
Introdução: Scedosporium é um fungo filamentoso ubiquitário no solo, vegetação em decomposição, esgotos e em águas poluídas. Pode originar infecções em doentes imunocompetentes após trauma, inalação esporos do fungo, ingestão de comida contaminada ou sem origem aparente. A apresentação clínica pode variar desde queratite, otite, sinusite, infecção do sistema nervoso central, atingimento osteoarticular, infecção dos tecidos moles e até pneumonia. A seguir, descrevemos um caso de uma infecção do tecido mole por Scedosporium spp. em contexto de imunossupressão (corticoterapia sistémica) complicada com fasceíte necrotizante bacteriana.
Caso clínico: Doente do sexo feminino de 68 anos, antecedentes de diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial, doença renal crónica e hipotiroidismo. Admitida no Serviço de Medicina Interna por suspeita de vasculite sistémica manifestada por lesões no membro inferior esquerdo (MIE), algumas em fase de úlcera com 1 mês de evolução. A doente estava sob corticoterapia sistémica por suspeita de neoplasia cerebral. Do estudo, excluída causa imunológica, biópsia de gordura abdominal descartou hipótese de amiloidose sistémica. Biópsia da lesão cutânea mostrou dermatite granulomatosa necrotizante com presença de fungos. Identificação posterior de fungos em pús da lesão do género Scedosporium spp, iniciando antifúngico (itraconazol) em conformidade. Evoluiu com sobreinfeção bacteriana com fasceíte necrotizante do MIE; isolamento de Achromobacter xylosoxidans e Stenotrophomonas maltophilia do tecido necrosado. Tratada com 14 dias de antibioterapia de largo espectro e abordagem cirúrgica que assentou em desbridamento dos tecidos desvitalizados e drenagem das colecções abcedadas/lavagens sucessivas. Conseguiu-se salvar o membro mas foi necessária excisão do tendão de Aquiles. No internamento descartada neoplasia cerebral-RMN contrastada compatível com angiopatia amiloide tendo-se procedido à suspensão do corticoide. Após resolução da infeção e revitalização dos tecidos com o sistema de vácuo, foi submetida a enxerto cutâneo, com colheita de pele na coxa homolateral e expansão em rede. Teve alta do internamento medicada com antifúngico (itraconazol 100mg 2cp 12/12h), manteve cuidados de penso adequado e antifúngico suspenso aquando da resolução.
Atualmente capaz de marcha autónoma.
Discussão/Conclusão: A infeção fúngica por Scedosporium spp trata-se de uma infeção rara e de difícil tratamento devido à elevada resistência ao tratamento antifúngico e à elevada taxa de falência terapêutica. O tratamento baseia-se na combinação entre tratamento médico e cirúrgico, estando o prognóstico dependente do estado imunitário e reserva fisiológica do doente. Este foi um caso emblemático no que concerne à gestão do doente. Conseguiu-se estabilizar as comorbilidades e complicações, conseguiu-se articular cuidados com restantes especialidades, e, acima de tudo, conseguiu-se o melhor outcome possível para a doente.