Serviço de Medicina 2 (Dir.: Prof. Dr. Rui M. Victorino), Sector E, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, EPE
Introdução: A hipocaliémia é um distúrbio eletrolítico comum, de causa habitualmente estabelecida pelos dados anamnésticos. De entre as medicamentosas, as exclusões iniciais a considerar são abuso de laxantes (Cassia angustifolia) e uso de diuréticos. Todavia é fundamental evocar a antibioterapia como fator causal de hipocaliémias de difícil correção. Este caso clínico é disso paradigmático.
Caso clínico: Doente do sexo feminino, caucasiana, 74 anos, com história de hipertensão arterial e obesidade, previamente autónoma, admitida no serviço de urgência hospitalar com quadro de paraplegia iniciada cerca de 48 horas antes, apresentava na sua história pregressa um carcinoma invasivo da mama direita (quadrantectomia + radioterapia adjuvante, 2013) e fraturas osteoporóticas em D10-D11-D12. Um mês antes do atual internamento fora hospitalizada por urosepsis a E. Coli, com necessidade de colocação de cateter de duplo J no uretero esquerdo, por uropatia obstrutiva. A RMN da coluna vertebral revelou espondilodiscite de D3-D5 com abcessos epidural e pré-vertebral. Submetida a descompressão medular e drenagem do empiema, iniciou antibioterapia com ceftriaxone (2g/dia) por isolamento de E. coli no pus do abcesso, descalada ao 28º dia para ampicilina (12g/dia - que cumpriu durante 39 dias). Este período foi pautado por hipocaliémias persistentes sintomáticas e refractárias (K+ 2.6mmol/L), apesar da elevada suplementação de potássio (>140mEq/dia). Excluídas sistematicamente as possíveis causas deste distúrbio, identificou-se a terapêutica com ampicilina como possível agente etiológico. Descalada a ampicilina para amoxicilina, a hipocaliémia passou a necessitar de menor correção (via oral).
Discussão: A determinação da etiologia da hipocaliémia é essencial para o seu tratamento adequado. Pode ser causada no decurso de diversas condições médicas, ou pelo uso de fármacos, sendo importante explorar todas as suas potenciais causas. Na grande maioria dos casos a hipocaliémia relevante é induzida por medicação, pelo que este distúrbio deve ser deduzido precocemente, podendo interferir com o potencial de ação da célula miocárdica, predispondo a arritmias virtualmente letais. Pretendemos realçar este eventual efeito adverso do tratamento com a classe das penicilinas, as quais atuam no tubo distal como aniões não reabsorvíveis (penicilina G/piperacilina-tazobactam/flucloxacilina/nafcilina – já descritos na literatura). Nesta doente a considerável depleção de potássio de difícil correção verificou-se com ampicilina/amoxicilina, na ausência de depleção volumétrica ou de hiperaldosteronismo, e num quadro de pH variável. Sublinhamos aqui que os doentes sob tratamento prolongado com penicilinas, em especial os mais idosos, encontram-se em risco de desenvolver hipocaliémias graves, pelo que a sua monitorização laboratorial e clínica deve ser apertada, não só para a correção precoce do distúrbio iónico, como, se possível, para uma circunstancial alteração da terapêutica.