Ana Luísa Campos, Daniela Neto, Gonçalo Castelo-Branco, Magda Fernandes, Jorge Cotter
Introdução: A infiltração neoplásica do músculo esquelético, embora rara, está descrita por exemplo em casos de cancro da mama com envolvimento ósseo extenso ou na presença de doença disseminada. As miosites por infiltração neoplásica distinguem-se da dermatomiosite, da polimiosite e das miopatias inflamatórias idiopáticas paraneoplásicas. Estas últimas cursam com fraqueza muscular proximal, o que não acontece na miosite metastática.
Descrição do caso clínico: Género feminino, 50 anos. Sem antecedentes patológicos. Recorre à urgência por coxalgia mecânica e edema da nádega e coxa esquerdas com 2 meses de evolução, associadamente com enfartamento pós-prandial, vómitos e emagrecimento de 10Kg em 1 mês.
Ao exame físico apresentava edema da região nadegueira e coxa esquerdas e dor à palpação. Documentada anemia microcítica/hipocrómica (Hb 6.2 g/dL), trombocitopenia (32.000/µL) e em TC toracoabdominopélvico “Fígado contendo múltiplas lesões hipocaptantes (prováveis lesões secundárias). Heterogeneidade óssea difusa, predominante nos ossos ilíacos e na coluna vertebral (provável infiltração secundária). Material gasoso intramuscular na região nadegueira e músculo íleopsoas à esquerda, sem características específicas (miosite necrotizante), sem coleções líquidas delimitáveis.´
Ficou internada por suspeita de neoplasia oculta com metastização óssea e hepática e por miosite necrotizante da nádega esquerda.
Realizou estudo endoscópico onde se observou neoplasia gástrica ulcerada.
Realizou ecografia de partes moles de controlo da miosite necrotizante em dia 8 de antibioterapia com amoxicilina/ácido clavulânico e clindamicina que revelou manutenção das alterações descritas na TC. A doente vem a falecer 6 dias depois.
Discussão: Trata-se de um caso de neoplasia gástrica, com doença disseminada, incluindo óssea, que favorece a hipótese de estarmos perante um raro caso de infiltração muscular neoplásica secundária. Apesar de as imagens de TC levantarem a suspeita de miosite necrotizante, a apresentação e curso clínico não são sugestivos de dermatomiosite ou polimiosite paraneoplásicas, são mais a favor de uma neoplasia gástrica com atingimento multiorgânico que se apresenta como invasão muscular direta com um padrão infiltrativo que mimetiza uma miosite.
A biópsia muscular seria, contudo, fundamental para firmar este diagnóstico. Na miosite por infiltração neoplásica é a própria invasão metastática que causa as alterações inflamatórias musculares, ao contrário da dermatomiosite e polimiosite paraneoplásicas em que o processo é imunomediado e relacionado com a sobre-expressão de antigénios específicos da miosite (MSA) pelas células neoplásicas. Quando o doente se apresenta com uma miosite indeterminada, o índice de suspeição de neoplasia deve, portanto, ser elevado.