Rita Martins Fernandes, Ana Isabel Rodrigues, Domingos Sousa, Catarina Jorge, Diana Reis, Sara Duarte, Sérgio Antunes Silva, José Manuel Ferreira, Mário Lázaro
INTRODUÇÃO
O síndrome de Evans (SE), inicialmente descrito em 1951, caracteriza-se por desenvolvimento simultâneo ou sequencial de anemia hemolítica auto-imune (AHAI) e trombocitopenia auto-imune (TAI) e/ou neutropenia auto-imune.
Esta entidade, já em si rara pode, em alguns casos, ser uma manifestação de lúpus eritematoso sistémico (LES), maioritariamente em doentes mais jovens e do sexo feminino.
CASO CLÍNICO
Doente do sexo masculino, 69 anos, autónomo, leucodérmico e reformado. Da história pessoal salientava-se apenas uma trombocitopenia não estudada no ano anterior.
Recorreu ao Serviço de Urgência por quadro de cerca de 8 meses de evolução de cansaço, perda de apetite e anorexia com perda de 11% do peso corporal total. Analiticamente destacava-se anemia importante de 52 g/L com reticulócitos de 0,2%, trombocitopenia com 41.000 plaquetas, desidrogenase láctica de 898 UI/L, haptoglobina <8 mg/dL e bilirrubina total de 2.9 mg/dL com predomínio da indireta. Apresentava Coombs direto positivo com positividade de C3d. Realizou ecografia abdominal sem alterações, nomeadamente esplenomegalia.
Foi assumida a hipótese de diagnóstico de AHAI, possivelmente um SE e iniciou terapêutica com pulsos de metilprednisolona e imunoglobulina humana.
Para estudo de eventual causa neoplásica realizou tomografia computorizada axial toraco-abdomino-pélvica que não evidenciou neoformações. Foi feito mielograma e biópsia óssea com uma medula óssea normocelular para a faixa etária e sem outras alterações.
Do restante estudo etiológico realizado verificou-se consumo acentuado de complemento, anticorpos dsDNA positivos (2 vezes acima do limite superior do normal), anticorpos antinucleares positivos com positividade de anticorpo do nucleossoma e anticoagulante lúpico positivo. Quando questionado especificamente o doente referiu rash malar no passado. Assim, tendo em conta ainda a anemia hemolítica, a trombocitopenia e o Coombs positivo, verificou-se a presença de critérios para o diagnóstico de novo de LES.
Apresentou uma resposta favorável, embora lenta, à terapêutica instituída, com eventual resolução de anemia e trombocitopenia. Foi medicado ainda com ciclo curto de dexametasona e prednisolona oral. Teve alta aos 28 dias e encaminhado a consulta de Doenças Auto-Imunes.
DISCUSSÃO
O SE é uma entidade pouco frequente, diagnosticada apenas em 0,8% dos doentes apenas com AHAI ou TAI e mais frequente no sexo feminino. Esta entidade pode ser, em casos raros e maioritariamente severos e multissistémicos, a primeira manifestação clínica de LES.
Apresenta-se um caso de diagnóstico de novo de LES com apresentação clínica como SE. Trata-se de uma situação em si já bastante rara que se torna ainda mais improvável tendo em conta que se trata de um doente do sexo masculino com mais de 65 anos.
Assim, este caso é importante uma vez que relembra a importância do alto grau de suspeição clínica e de não excluir à partida qualquer diagnóstico.