Sara Xavier Pires, Giovana Ennis, Diana Valadares, Arlindo Guimas, Filipe Nery
Introdução
A trombose do eixo esplâncnico associada a inflamação/infeção está normalmente relacionada com patologia infeciosa local. A flebite da veia esplénica tem sido reportada apenas na forma de casos clínicos isolados e por vezes associada a hipertensão portal regional.
Caso clínico
Homem de 74 anos, com história de diverticulose intestinal, recorre ao Serviço de Urgência (SU) por melenas e hematemese. Febre com shivering, astenia e anorexia com 5 dias de evolução. Sem consumo de anti-inflamatórios não esteroides ou outros fármacos. Consumo ocasional de álcool quantificado em 10g/dia.
Apresentava-se apirético, hipotenso, taquicárdico, com evidencia de sangue digerido na sonda nasogástrica. Analiticamente com anemia (9,8g/dl N/N), 185 x103/L plaquetas e leucocitose (18,44 x103/µl com 85,7% PMN) com PCR 131mg/L e citocolestase (TGO e TGP 1,5xLSN e GGT 2xLSN) com INR 1,25. Efetuada terapêutica com inibidor de bomba de protões, fluidoterapia e finalmente endoscopia digestiva alta que documentou hemorragia com ponto de partida em variz de fundo gástrico (IGV 1) submetida a injeção de cianoacrilato e lipiodol. Por hemorragia digestiva alta hipertensiva (HDAH), iniciou terapêutica com terlipressina e ceftriaxone em acordo com protocolo local, com internamento em Unidade de Cuidados Intermédios. A investigação adicional documentou, em ecografia abdominal, esteatose hepática e esplenomegalia. A ausência de dados clínicos e analíticos a corroborar hipertensão portal sinusoidal, face à manutenção da febre no internamento sem outra focalização, levou à possibilidade diagnóstica de trombose de causa infeciosa do eixo esplâncnico. Realizou angio-TC abdominal que evidenciou fígado morfologicamente normal, veias supra-hepáticas e porta permeáveis, e esplenomegalia com áreas de hipodensidade dispersas, sugerindo focos de abecedação, associando-se trombose da veia esplénica. Foi excluída endocardite.
Assumida flebite da veia esplénica complicada com abcessos esplénicos a condicionar hipertensão portal pré-sinusoidal e HDAH, tendo sido escalada terapêutica para piperacilina/tazobactam e realizada esplenectomia. Protelada hipocoagulação por hemorragia digestiva recente. Isoladas Escherichia Coli, Lactobacillus spp e bactérias anaeróbias no pus, sensíveis a terapêutica instituída, tendo apresentado melhoria clinica e analítica, encontrando-se assintomático à data da alta.
Discussão
A presença de variz gástrica isolada deve levar à consideração da existência de hipertensão portal regional, nomeadamente por trombose da veia esplénica. As causas, consequências e formas de tratamento deste tipo de hemorragia e do evento trombótico local são distintas daquelas associadas a hipertensão portal sinusoidal como a que acontece na cirrose. Neste caso em particular, além da terapêutica local, a esplenectomia em associação com tratamento antibiótico foram o tratamento a considerar.