Jorge Silva Ferreira, Yolanda de Sá Pereira, Soraia Lobo-Martins, Rita Teixeira de Sousa, Maria João Gomes
Introdução: A hipercalcemia na gravidez está associada a morbilidade e mortalidade materno-fetal significativas, embora na maioria dos casos, esteja relacionada com hiperparatiroidismo primário, uma situação usualmente benigna. Mais raramente, resulta da presença de tumores produtores de pr-PTH (carcinoma espinocelular, carcinoma mama, renal, bexiga, colo-retal, linfomas e tumores da placenta), tumores produtores de vitamina D (linfomas e disgerminomas do ovário) e metástases líticas. Destas causas a mais frequente é o carcinoma da mama. Caso clínico: T.V., sexo feminino, de 31 anos, grávida de 33S+1D, com várias vindas ao SU por dor lombar e ciatalgia refratárias a analgesia, associada a anorexia não seletiva e perda de peso. À observação, vígil, mas prostrada, eupneica, normotensa, mucosas desidratadas e descoradas, auscultação cardio-pulmonar sem alterações, abdómen com útero gravídico difusamente doloroso, e edemas maleolares simétricos. Laboratorialmente, anemia normocítica normocrómica, leucocitose com neutrofilia, VS 69mm/h, creatinina 2.07mg/dL, cálcio corrigido 18,1mg/dL, fósforo normal, transaminases normais, LDH: 327 U/L, PCR 9.66mg/dL. Admitida num Serviço de Medicina para correção de hipercalcemia, que não teve melhoria clínico-laboratorial após hidratação endovenosa intensa e terapêutica diurética. Dado o risco fetal de administração de bifosfonatos avançou-se para cesariana, durante a qual se verificou presença de massas ováricas que foram submetidas a biópsia. De regresso ao Serviço de Medicina procedeu-se à administração de ácido zoledrónico com normalização dos valores de calcémia. O estudo do metabolismo do cálcico revelou PTH 8.1pg/mL, pr-PTH 9.2pmol/L (<1.3pmol/mL). Pediu-se TC de corpo que mostrou estroma mamário aumentado à direita, massas sólidas anexiais e gânglios infracentimétricos nas cadeias júgulo-carotídeas e axilares. A cintigrafia óssea evidenciou múltiplas lesões líticas ósseas compatíveis com lesões secundárias e a biópsia ovárica revelou metástase de provável origem mamária. Biópsia mamária evidenciou neoplasia do tipo adenocarcinoma tubular, grau 3, triplo negativo. Iniciada hormonoterapia e quimioterapia com intuito paliativo. Infelizmente, a doente faleceu cerca de 1 ano após o nascimento da filha. Discussão: Apresenta-se este caso pelas dificuldades diagnósticas de hipercalcemia maligna numa doente grávida, previamente saudável, que se apresenta com dor lombar, queixa que é comum no último trimestre da gravidez, recordando que o doseamento de cálcio não faz parte da avaliação de rotina. Por outro lado, as ecografias gestacionais prévias não mostravam lesões no ovário, o que leva a supor que o estado de gravidez potenciou a disseminação do tumor da mama que se apresentou com metastização ovárica, óssea e ganglionar. Discute-se ainda a hipótese do relativo estado de imunossupressão induzido pela gravidez ter contribuído para a gravidade na apresentação do caso clínico.