Maria Maia, Célia Machado, João Espírito Santo, Nuno Inácio, Ângela Timóteo, José Vale
Introdução: A disseção carotídea (DC) é uma importante causa de acidente vascular cerebral (AVC) isquémico e é responsável por até 25% dos AVC isquémicos em doentes jovens. Em doentes com mais de 60 anos são outros os mecanismos que prevalecem como causa de AVC. Num estudo recente, em 2400 doentes com DC confirmada apenas 7,4% tinham mais 60 anos.
Caso 1: homem, 68 anos, caucasiano, história de tabagismo (30 unidades maço ano (UMA)); quadro com duas semanas de evolução de cefaleia hemicraniana esquerda e toma de anti-inflamatórios não esteróides para controlo da dor, sendo internado por hemorragia digestiva por úlcera péptica neste contexto. Foi referida alteração da linguagem no dia anterior. Após o tratamento da úlcera, existiu instalação de quadro caracterizado por afasia, hemiparésia direita e hemihipostesia direita. A Tomografia Computadorizada-Crânioencefálica (TC-CE) com estudo angiográfico revelou aspetos compatíveis com AVC isquémico no território da artéria cerebral média esquerda e estenose bilateral dos segmentos cervicais distais das artérias carótidas internas (ACI). A Ressonância magnética (RM) encefálica com estudo angiográfico revelou hematoma intramural na ACI esquerda com estenose focal pré-obliterativa no segmento cervical alto e estenose focal da ACI direita, observando-se também várias lesões isquémicas agudas na substância branca fronto-temporo-parietal bilateralmente, cortico-subcorticais frontais e núcleo-capsulares à esquerda. O restante estudo etiológico foi normal.
Caso 2: homem, 61 anos, caucasiano, história de hipertensão arterial não controlada e tabagismo (40UMA); quadro de início súbito de afasia e hemiparesia direita, sem história de traumatismo, cefaleia ou outros. A TC-CE com estudo angiográfico revelou ASPECTS 8 em 10 e oclusão do segmento pós-bulbar da ACI esquerda. O doente foi submetido a trombólise. O doppler dos vasos do pescoço feito posteriormente não revelou alterações. A RM com estudo angiográfico dos vasos cervicais e intracranianos revelou lesões cortico-subcortical fronto-temporal e da coroa radiária à esquerda e disseção do segmento cervical da ACI esquerda. O restanto estudo etiológico foi normal.
Conclusão: a disseção arterial é uma causa muito pouco frequente de AVC nos doentes com mais de 60 anos. O seu reconhecimento é importante porque a abordagem terapêutica pode alterar-se, nomeadamente na fase aguda. No primeiro caso, a cefaleia prolongada foi provavelmente o primeiro sintoma de disseção e a existência de estenoses focais cervicais bilaterais levantou de imediato a hipótese de fibrodisplasia. No segundo caso, o que levou à suspeita de disseção foi a repermeabilização da ACI sem recurso a trombectomia. Nenhum dos doentes teve cervicalgia.