Filipa Guimarães, António Furtado, J. Vasco Barreto, Nídia Pereira
A amiloidose é uma doença sistémica que resulta da deposição de fibrilhas insolúveis de conformação alterada, sendo as formas AL e AA as mais comuns. É comum que seja feita associação de alterações analíticas com esta doença, nomeadamente anemia, mas não tão frequente associar disfunções autonómicas, nomeadamente hipotensão e distúrbios gastrointestinais.
Apresentamos o caso de um homem de 60 anos com quadro de amiloidose subtipo AA com atingimento multissistémico, que em julho de 2017 foi admitido no serviço de urgência por diarreia e febre. Realizada colonoscopia e biópsias, cuja histologia revelou presença de substância amilóide. Foram pesquisadas causas infeciosas, tendo sido identificadas inclusões de CMV na biópsia cólica, bem como virémia e PCR positiva. Nesta presunção, iniciou terapêutica com gangiclovir. Objetivado declínio da virémia, bem como negativação da PCR sérica para CMV.
No entanto, o doente manteve mais de 10 dejeções líquidas diárias, sem sangue e sem muco. Foram excluídas outras causas infeciosas para além do CMV já em tratamento, sendo expectável uma resposta clínica favorável caso fosse este o mecanismo causal principal. Presumimos eventual contributo da sua doença sistémica: deposição de substância amilóide a nível cólico, com atingimento da capacidade de absorção e com disautonomia, explicando assim a persistência das dejeções diarreicas.
Neste contexto, dada a progressão e degradação do estado geral do doente, com caquexia progressiva, decidido iniciar trial de octreótido (descrito na literatura como opção off-label). Foi iniciado octreótido 100mg a cada 8 horas. Nas primeiras 24 horas, observada redução de aproximadamente 50% do número de dejeções para 4-6 por dia; nas primeiras 48 horas o doente deixou de ter dejeções noturnas. Manteve 4-5 dejeções diárias apesar de aumento adicional da dose de octreótido.
Pretendemos com este caso ressalvar a importância de uma integração e interpretação global de todos os problemas de cada doente. Perante resposta pobre ao tratamento da colite por CMV, pesquisámos outras hipóteses que pudessem simultaneamente contribuir para o quadro.
O uso de octreótido para tratamento da diarreia associada a disautonomia descrito em alguns casos. No nosso doente, permitiu a redução significativa do nº de dejeções, contribuindo para uma recuperação do status nutricional e um ganho substancial da qualidade de vida.