Ryan Costa Silva, Joana Rodrigues dos Santos, Tânia Vassalo, Joana Rosa Martins
Introdução: A febre Q é uma zoonose causada pela bactéria gram negativa Coxiella burnetii, sendo que os doentes podem ter um largo espectro de manifestações clínicas. O caso apresentado pretende alertar para esta entidade clínica subdiagnosticada reforçando a necessidade de um elevado índice de suspeição.
Caso clínico: Os autores apresentam o caso de um homem de 80 anos com história de hipertensão, diabetes tipo 2 e doença renal crónica admitido por quadro com uma semana de evolução caracterizado por prostração, lentificação psicomotora, anorexia, febre vespertina (39ºC), sudorese nocturna, mialgias, vertigens e tosse produtiva com expectoração mucopurulenta. Destacava-se contacto com áreas rurais, nomeadamente matas e florestas, sem contacto com animais ou consumo de lacticínios não pasteurizados. Laboratorialmente com anemia, trombocitopenia, elevação de parâmetros de fase aguda, sem isolamentos microbiológicos em exames culturais e serologias infeciosas com cicatriz imunológica a vírus Epstein-Barr e Citomegalovírus, e negativas para Mycoplasma, Chlamydia, Legionella, retrovírus, hepatites, febre Q, febre escaro nodular, doença de Lyme e brucelose. Do restante estudo complementar, foi realizada TC e RM crânio-encefálica e ecocardiograma que não mostraram alterações.
Durante o internamento, apresentou elevação progressiva dos parâmetros de citólise e colestase, pelo que apesar de serologia negativa para febre Q se manteve esta hipótese, considerando o envolvimento hepático, pulmonar, hematológico e do sistema nervoso central, tendo iniciado antibioterapia para doxiciclina 100mg 12/12h com franca melhoria clínica e laboratorial.
Em reavaliação laboratorial duas semanas após o internamento, apresentava serologias para febre Q positivas com anticorpos anti-Coxiella burnetii IgM contra antigénio de fase II em título elevado 1/4096 e contra antigénio de fase I de 1/2048, indicativo de fase aguda, com título de anticorpos IgG contra antigénio de fase II de 1/1024 e contra antigénio de fase I de 1/256. Nova avaliação cinco meses depois documentou inversão da fórmula com predomínio de anticorpos contra antigénio de fase I, título de anticorpos IgG contra antigénio de fase II de 1/4096 e contra antigénio de fase I de 1/8192 indicativo de covalescência.
Discussão: A febre Q pode ser um diagnóstico clínico difícil, pela raridade, clínica inespecífica, e necessidade de uma correcta interpretação das serologias, considerando que a produção de anticorpos se inicia apenas uma a duas semanas após o início dos sintomas, sendo frequentemente negativas no início do quadro como no caso apresentado.