João Alexandre Tavares, Mário Parreira, Ana Emídeo, Patrícia Carneiro, Carolina Palma, Ricardo Pereira, Ermelinda Pedroso
A hemorragia intracerebral espontânea (HIC) resulta de sangramento intraparenquimatoso cerebral na ausência de trauma ou cirurgia, sendo o evento vascular cerebral (AVC) com maior taxa de morbimortalidade. Apesar de várias medidas médicas ao dispor, que permitem controlar sintomas e reduzir o risco de agravamento e complicações, a verdade é que a capacidade de monitorizar invasivamente, drenar hematomas e colocar derivações ventriculares externas apenas está ao alcance da Neurocirurgia (NC), pelo que esta tem um papel importante no algoritmo terapêutico destes doentes.
O presente estudo pretende caracterizar os doentes com HIC, identificar fatores de risco e de atraso no diagnóstico, e caracterizar a sua orientação clínica/terapêutica à luz das recomendações atuais.
Trata-se de um estudo observacional retrospetivo que incluiu todos os doentes com idade superior a 18 anos admitidos no Serviço de Urgência (SU) de um hospital sem NC no ano de 2018 com o diagnóstico de HIC. A amostra foi selecionada a partir da base de dados dos doentes admitidos neste SU de acordo com a codificação ICD-9 associada ao diagnóstico de HIC. Os dados foram colhidos a partir dos registos clínicos e de exames complementares de diagnóstico associados. A análise estatística foi realizada no programa IBM® SPSS® Statistics 25.
Do total de doentes admitidos, 95 reuniam os critérios de inclusão. Destes, 42% eram do sexo feminino, com uma média de idades de 78,5 ± 12,1 anos (mediana de 80,5 anos), e 58% do sexo masculino, com uma média de idades de 71,6 ± 15,3 anos (mediana de 73 anos). A idade mínima foi de 36 anos no sexo masculino e de 42 no sexo feminino. A diferença da média de idades por sexo apresentou significância estatística (p<0,001). Foram analisados antecedentes pessoais, uso de antiagregantes e anticoagulantes, queixa inicial e período de tempo entre início das queixas e admissão hospitalar. Foi quantificado o tempo entre admissão hospitalar e realização de tomografia computorizada cranioencefálica, analisadas a localização e dimensões do hematoma, e a presença de complicações associadas – hidrocefalia, hemorragia intraventricular, edema local ou herniação. Foi ainda analisado o valor da escala de coma de Glasgow na admissão e evolução, défices neurológicos, presença de HTA, crises convulsivas, necessidade de proteção da via aérea, alterações analíticas e terapêutica realizada – reversão da anticoagulação, antihipertensores, anticonvulsivantes e medidas antiedema. Finalmente foi avaliada a realização de contacto com NC e respetiva orientação, local de destino e tempo total de permanência no SU.
O presente estudo permitiu, pela caracterização dos doentes no que respeita a fatores de risco, terapêutica prévia e abordagem em contexto de SU num hospital sem NC, identificar possíveis condutas a otimizar no cuidado ao doente com HIC, servindo como ponto de partida para o desenvolvimento de um protocolo de atuação hospitalar.